Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Poucas pessoas me compreendem tão bem quanto tu», podemos substituir o quantificador existencial poucas, por outros quantificadores existenciais como várias, algumas, mantendo o mesmo sentido?

Obrigada.

Resposta:

Os quantificadores em questão não poderão ser considerados sinónimos, pelo que a sua presença na frase ativará significações distintas. Não obstante, em certos contextos, poderá acontecer que a significação associada a alguns destes quantificadores seja muito próxima.

A pertença de diferentes palavras a uma mesma classe / subclasse não equivale a uma relação de sinonímia. As palavras integram uma dada classe por partilharem um conjunto de comportamentos sintático-semânticos. Assim, poucas, várias e algum pertencem à classe dos quantificadores existenciais por se colocarem à esquerda de um nome associando-lhe um valor de quantificação, sem remeter para a totalidade de um conjunto ou referindo uma quantidade não precisa.

Este valor de quantificação difusa será particular em função dos valores semânticos de cada um dos quantificadores em questão. Estes valores são explicitados pelos dicionários1:

(i) algum: “um certo número de algo; us. para designar indivíduo, lugar ou coisa desconhecida ou indeterminada; um algum grau: um tanto, nem muito nem pouco”;

(ii) pouco: “pequena quantidade”

(iii) vários: “diversos, alguns, muitos, numerosos”

Apesar desta especificação de sentidos, em contexto, os valores expressos por estes quantificadores poderão ser muito próximos. Consideremos a frase apresentada pela consulente, aqui transcrita em (1):

(1) «Poucas pessoas me compreendem tão bem quanto tu.»

Por um lado, o valor do quantificador poderá corresponder à noção de “um pequeno número de pessoas” e, nesse caso, poucas poderia ser substituído por algumas, usado com o mesmo sentido. Por outro lado, o seu valor po...

Pergunta:

Na frase «as explicações sobre as escolhas dos textos podem ser encontradas no prefácio do livro», a modalidade associada é epistémica com valor de possibilidade ou de certeza?

Obrigada.

Resposta:

Se a frase tiver sido extraída de uma publicação na qual se dá indicações sobre o local onde encontrar determinadas informações, a modalidade veiculada é a epistémica com valor de possibilidade.

Neste caso, o locutor usa o verbo poder para indicar que se o interlocutor estiver interessado sobre as explicações, elas localizam-se no prefácio. O locutor não sabe se o interlocutor irá ou não a esse local, o que gera a modalização epistémica com valor de possibilidade.

Disponha sempre.

Pergunta:

Perguntava-vos se entre as frases abaixo existem diferenças de sentido:

«Aquele trabalho era bem mal pago.»

«Aquele trabalho era muito mal pago.»

Obrigado.

Resposta:

As duas frases apresentadas são equivalentes, apresentando ambas usos corretos.

O problema que está na base da questão apresentada prender-se-á com o facto de bem surgir num espaço onde normalmente surge o advérbio muito.

Relativamente ao advérbio bem, poderemos verificar que pode ser usado com um valor de modo:

(1) «Ele trabalhou bem.»

Bem pode também incidir sobre um adjetivo, situação em que comuta com o advérbio muito. Em muitos destes casos, bem será um advérbio de quantidade e grau1:

(2) «Isto é bem interessante.» (= «Isto é muito interessante.»)

Neste caso, o advérbio bem expressa um valor de intensidade.

A frase apresentada pelo consulente apresenta um caso em que bem funciona como advérbio de quantidade e grau. Daí ser equivalente a muito:

(3) «Aquele trabalho era bem mal pago.» (= «Aquele trabalho era muito mal pago.»)

Neste caso particular, o advérbio bem incide sobre o sintagma adjetival «mal pago» e exprime um grau elevado da propriedade denotada por esse sintagma.

Disponha sempre.

 

1. Para mais informações, leia-se também esta resposta de Carlos Rocha.

Pergunta:

A conjunção subordinativa causal porque pode iniciar uma frase, sem ligação a uma oração subordinante?

«Porque nos permite entender a história.»

Obrigado.

Resposta:

Esta opção não é canónica, mas é um uso possível num quadro de elipse da subordinante. Note-se, todavia, que, nestes casos, a interpretação da frase ficará sempre dependente do contexto para a reconstrução do valor da oração subordinante.

Assim esta opção é possível, por exemplo, num contexto de pergunta-resposta:

(1) « Porque gostas deste início de romance?

       [Gosto deste início de romance] Porque permite entender a história.»

Num texto não dialogal, esta opção permitiria, por exemplo, destacar uma dada causa (entre outras ou isolada):

(2) «Gosto deste início de romance porque atrai o leitor. [Gosto deste início de romance] Porque permite entender a história.»  

Note-se que é possível identificar esta opção de escrita em vários autores, como se observa pelos exemplos:

(3) «E aí está como a minha pobre Clara, solitária nas suas florestas, ficou sem essa folha, cheia das minhas letras, e tão inútil para a segurança do seu coração como as folhas que a cercam, já murchas decerto e dançando no vento. Porque não sei como se comportam os teus bosques; mas aqui as folhas do meu pobre jardim amarelaram e rolam na erva húmida.» (Eça de Queirós, Correspondência de Fradique Mendes.)

(4) «Possivelmente, porém, o trabalho mais úti...

Concordância do verbo (4)
A concordância do verbo com «a maior parte»

Qual a frase correta: «A maior parte dos turistas visita este museu» ou «A maior parte dos turistas visitam este museu»? A resposta é apresentada pela professora Carla Marques no seu apontamento do programa Páginas de Português da Antena 2