Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A regra manda que o presente passe a imperfeito, e o perfeito, a imperfeito.

Assim:

1. «Eu como uma maçã.» – «Ela disse que comia uma maçã.»

2. «Eu comi uma maçã» – «Ela disse que tinha comido uma maçã.»

Mas posso também dizer:

3. «Ela disse que come uma maçã»/«Ela disse que comeu uma maçã»?

Estão incorretas estas frases, ou já não são discurso direto?

Parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

As frases que apresenta não estão incorretas, embora não apresentem os tempos verbais mais convencionais do discurso indireto, sobretudo aqueles a que estamos habituados, pelo menos, nas listas de correspondências entre tempos de muitas gramáticas escolares.

A diferença detetável será justamente o facto de as orações completivas apresentarem um verbo no tempo presente, na frase 1, e no pretérito perfeito, na frase 2.

Dito isto, não me parece que a mudança de tempos verbais possa implicar agramaticalidade nas frases ou até mesmo afastamento de um discurso indireto, porque as completivas correspondentes ao discurso que é relatado podem referir-se quer a uma ação habitual ou repetida com relevância para o tempo do discurso («disse que come uma maçã de manhã»), quer a uma situação temporalmente anterior ao momento em que o discurso é proferido («ela disse mesmo agora que comeu uma maçã há bocado/ontem»).

Observe-se, por último, que, no discurso indireto, o enunciador se apropria de um discurso proferido anteriormente para o reproduzir à sua maneira, permitindo-lhe uma certa liberdade para reformular, clarificar ou resumir esta modalidade enunciativa.

Pergunta:

Quem respeita alguém... respeita «ao máximo», ou «o máximo»?

Resposta:

A expressão «ao máximo» parece ser a mais apropriada ao exemplo que refere. Se consultarmos o Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira, verificamos que esta expressão, que tende a comportar-se como uma só unidade lexical, ocorre em grau significativo; p. ex.:

1. «Cada empresa procura diversificar ao máximo os canais que vão transmitir informações[...].»

2. «Tentei me esforçar ao máximo, mas não teve jeito.»

No Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho, regista-se também a locução adverbial em análise: «máximo, ao: daí a preocupação das autoridades em tentar evitar, ao m[áximo], que o mal se propague (até onde for possível).»

No caso apresentado pela consulente, confesso que «respeito-o o máximo» me parece estranho e que «respeito-o ao máximo» se me afigura mais natural. No entanto, há situações em que as duas expressões são possíveis, como se ilustra nos seguintes exemplos:

3. «Esforcei-me ao máximo

4. «Esforcei-me o máximo

Em 4, a locução «o máximo» parece substituir a locução exemplificada em 3, sem que, de uma forma intuitiva, a possamos considerar agramatical.

Note-se, contudo, que, com base em várias ocorrências, é legítima a generalização segundo a qual «o máximo» é expressão utilizada como complemento direto, em contraste com a locução adverbial «ao máximo», em posição de modificador na frase:

5. «Dei o máximo» (complemento direto).

Pergunta:

Surgiu uma dúvida que gostaria de ver esclarecida: quando num texto aparece referência à quantidade expressa em número, por ex.: «20 dias», «5 de maio», consideramos a unidade "20"/"5" como quantificador?

Agradeço, desde já, a vossa disponibilidade e atenção.

Resposta:

Os exemplos que a consulente apresenta classificam-se como quantificadores numerais.

De acordo com o Dicionário Terminológico, um quantificador numeral é o que «[...] expressa uma quantidade numérica inteira precisa (numeral cardinal) [...], um múltiplo de uma quantidade (numeral multiplicativo) [...], ou uma fração precisa de uma quantidade (numeral fracionário)»; exemplos:

(1) «Tinha três filhos.» (numeral cardinal)

(2) «Agora tenho o dobro dos filhos.» (numeral multiplicativo)

(3) «Já tive um terço dos filhos [que tenho].» (numeral fracionário)

Ainda segundo a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (p.374), nas referências aos dias do mês usam-se os cardinais, salvo na designação do primeiro dia, em que é de regra o uso do numeral ordinal. Também na indicação dos anos e das horas se empregam os cardinais. Verifiquem-se assim os seguintes exemplos:

«Chegaremos às seis horas do dia primeiro de maio

«São duas horas da tarde do dia vinte e oito de julho de mil novecentos e oitenta e três

Pergunta:

No outro dia, em conversa com pessoa conhecida, citaram-me esta expressão idiomática, da qual não sei o seu significado correto: «Há mais marés do que marinheiros.» Podiam-me dizer o que é que isto significa, se possível indicando situações onde esta mesma expressão idomática é utilizada?

Obrigado e votos de continuação do vosso excelente trabalho em defesa e salvaguarda da língua portuguesa.

Resposta:

«Há mais marés do que marinheiros» constitui um dito popular que geralmente transmite a ideia da existência de várias e novas oportunidades que poderão surgir no sentido de compensar um mal ou uma situação menos desejada que possam estar eventualmente a acontecer em dado momento.

Vejamos o exemplo que se encontra na página do Instituto Camões:

«Rita telefona a João para lhe dar os parabéns! João fala-lhe na sua festa, mas ela não pode ir. Haverá outras oportunidades de se encontrarem e divertirem como nos velhos tempos. Rita lembra-lhe aquele provérbio: "há mais marés do que marinheiros."»

A título de curiosidade, no Dicionário de Provérbios, de Roberto Cortes de Lacerda et al. (Lisboa, Contexto, 2000), registam-se dois provérbios semelhantes: «há mais aprendizes que mestres» e «há mais discípulos que apóstolos». Esta fonte, que compara provérbios em francês, português e inglês, apresenta os referidos provérbios como equivalentes ao francês «il est plus d´ouvriers que de maîtres» (tradução livre: «há mais trabalhadores que mestres»), parafraseando-o como «il y a beaucoup de gens à instruire et peu pour le faire» (tradução livre: «há muitas pessoas para ensinar e poucas para fazer isso»).

Pergunta:

Sou brasileira e dou aulas de Português para estrangeiros. Em um de meus cursos, estamos lendo um livro em português de Portugal, onde aparece em várias ocasiões diferentes – escrito por autores diferentes – o uso do pronome reflexivo ligado ao verbo auxiliar e não ao verbo reflexivo, como:

– Ele tinha-se separado de sua namorada.

– Ele vai-se encontrar com ela.

Isto está correto?

Muito obrigada por sua ajuda, e meus alunos de Português aqui na Finlândia também agradecem.

Resposta:

Ambas as frases estão corretas, sendo que, na primeira frase, estando o verbo principal no particípio (separado), o pronome oblíquo se não poderá vir depois dele. Como no seguinte exemplo:

«As crianças tinham-se perdido no passeio escolar.»

Já no segundo exemplo referido pela consulente, poderão ocorrer duas situações no português de Portugal, quando há nas locuções verbais um verbo auxiliar mais a ocorrência do infinitivo:

a) Ênclise ao verbo auxiliar:

«Ele vai-se encontrar com ela.»

b) Ênclise ao infinitivo:

«Ele vai encontrar-se com ela.»