Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O que é linguagem formal e linguagem informal?

Resposta:

A capacidade de adequar o discurso às situações concretas representa uma das características essenciais da competência comunicativa de qualquer falante, e daí resultam os conceitos de linguagem formal e linguagem informal.

Na linguagem formal, o registo normalmente utilizado é o registo cuidado, em que são exemplos de situações formais as que estão associadas à realização de conferências, de discursos políticos, etc. Trata-se de uma linguagem que pode caracterizar-se pelo rigor sintático, pela riqueza do vocabulário de tipo erudito e pelo uso de formas de tratamento adequadas ao contexto.

A linguagem informal, pelo contrário, é aquela que os falantes usam entre amigos e familiares, em que a preocupação com a correção linguística é menor e o vocabulário utilizado é simples, incluindo frequentemente palavras e expressões familiares, bem como o calão.

O Dicionário Terminológico (DT), que consagra como termos equivalentes as expressões registo formal e registo informal, define o contraste entre os conceitos correspondentes como a «[d]imensão da variação da língua, determinada pela situação de interlocução: diferentes tipos de contexto situacional requerem diferentes tipos de ativação linguística relativos ao léxico, à sintaxe, à fonologia e à prosódia, passando pela gestão da pressuposição, de implicaturas, dos atos ilocutórios indiretos, das formas de tratamento, da modalização, dos princípios conversacionais, etc.» O DT acrescenta ainda: «As escolhas linguísticas efetuadas são determinadas pelo tipo de relação social e institucional existente entre interlocutores (matizadas por diferentes fatores: grau de instrução, idade, sexo, entre outros). É o “a quem se vai dizer” que...

Pergunta:

Dá-se o nome de flamenco à música e dança populares andaluzas, com raízes ciganas, que são acompanhadas de guitarras e palmas. Quando me quero referir a esta guitarra, devo dizer «a guitarra flamenca», ou «a guitarra flamenga»?

Resposta:

O consulente deve dizer «guitarra flamenca». 

O Dicionário Houaiss regista flamenco em itálico, marcando-o como estrangeirismo, e classifica-o como substantivo masculino, com a seguinte definição: «diz-se de ou música e dança andaluzas, extremamente populares e apreciadas, freq. acompanhadas de guitarras e palmas, de raízes ciganas». O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa consigna flamenco já como palavra portuguesa, classificada quer como substantivo quer como adjetivo, com definição semelhante. Não parece haver, portanto, impedimento para que flamenco seja usado como adjetivo, de acordo com as regras gerais da concordância.

Observe-se que o facto de o espanhol flamenco poder ser traduzido como flamengo, que significa «natural ou habitante da Flandres (Bélgica)», não constitui motivo suficiente para propor o uso de flamengo como forma portuguesa correspondente a flamenco, até porque não é de excluir que a palavra espanhola em apreço seja, em relação ao termo referente ao natural/habitante da Flandres, simplesmente um homónimo de etimologia diversa (cf. artigo da Wikipédia em espanhol Flamenco). Torna-se, portanto, pouco recomendável a expressão «guitarra "flamenga"». Acrescente-se, por último, que a forma espanhola flamenco também pode significar o mesmo que flamingo.

Pergunta:

Lendo um conto ["O cobrador"] de Rubem Fonseca encontrei a palavra bocalivrista; alguém sabe seu significado? Reporto o período que contém a palavra:

«Ele tem o ar petulante e ao mesmo tempo ordinário do ambicioso ascendente egresso do interior, deslumbrado de coluna so­cial, comprista, eleitor da Arena, católico, cursilhista, patriota, mordomista e bocalivrista, os filhos estudando na PUC, a mulher transando decoração de interiores e sócia de butique.»

Obrigado.

1 "O Cobrador" in O Cobrador, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1979, p. 165.

Resposta:

Trata-se de um derivado do substantivo boca-livre.

Nos dicionários consultados, não há ocorrência de bocalivrista, o vocábulo que o consulente encontrou no conto de Rubem Fonseca. Em contrapartida, o Dicionário Eletrônico Houaiss regista como regionalismo brasileiro o termo coloquial boca-livre, em duas aceções: «1. Lugar onde se come e bebe de graça; 2. Lugar ou cargo onde se ganha dinheiro irregularmente.» O iDicionário Aulete confirma a primeira aceção e ,de certo modo, a segunda, embora a esta dê uma formulação que reflete uma perspetiva ligeiramente diferente: «situação da qual alguém se beneficia sem esforço ou mérito, geralmente por meios fraudulentos». Observe-se, contudo, que a aceção mais frequente da palavra é, de facto, a de «lugar onde se come e bebe de graça», como se pode apurar numa pesquisa no conjunto dos corpora da Linguateca; e o Dicionário Unesp da Língua Portuguesa (2004) apenas define a palavra como «festa ou reunião de entrada franca e onde se servem comidas e bebidas».1

Dito isto, parece então que estamos diante de um neologismo que tem por base o substantivo boca-livre. Sendo assim, o contexto onde surge bocalivrista sugere a referência a alguém que é presença assídua em certo tipo de encontros sociais.2

1 Sobre o significado de boca-livre, a consultora Ida Arnold dá o seguinte esclarecimento (comunicação pessoal): «Boca-livre é em geral uma festa, ou evento onde há comida e bebida de graça; no caso d[a] personagem [do conto "O Cobrador"], e considerando todo o parágrafo, deve referir me...

Pergunta:

Antes de mais, muito obrigada e parabéns pelo vosso excelente trabalho!

Surgiu-me a seguinte dúvida:a palavra desterrado classifica-se, quanto à sua formação, como derivada por sufixação (por derivar do verbo desterrar), ou como derivada por parassíntese (por conter simultaneamente o prefixo des- e o sufixo -ado)?

Estou confusa!

Resposta:

A palavra desterrado é um particípio passado, ou seja, trata-se de uma forma de flexão do verbo desterrar: «Mas não; não era ainda ali o ponto para onde Mário fora desterrado [...]» (A. Silva Gaio, Mário, episódios das lutas civis portuguesas de 1820-1834, 1974 in Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira). Este particípio pode ter uso adjetival, como acontece a muitos particípios passados: «Mas da qual, entretanto, eu, desterrado e triste, Sinto no coração, ralado de ansiedade, Uma saudade eterna» (Olavo Bilac, Sarças de Fogo, 1888, idem); ocorre ainda como substantivo: «Assim se despediram, e assim se foi, só, o desterrado; dizem que lá se fizera monge e acabara em santa vida» (Almeida Garrett, O Arco de Sant´Ana, idem). De acordo com o Dicionário Houaiss, o sufixo -ado normalmente «ocorre em pal. adjetivas, substantivas e em nomes (adjetivos/substantivos), devendo-se ter em conta que é a desin. do part. pas. da 1.ª conj., do lat. -ātu-, -āta- > -ado, -ada (padrão amātu-, amāta- > amado, amada)».

Contudo, deve considerar-se também o processo de derivação por parassíntese na formação do verbo desterrar, visível no infinitivo: des- + terr- + ar (ou seja, o prefixo des- e o sufixo -ar juntam-se simultaneamente ao radical nominal terr-, de terra). Em suma, o verbo desterrar é derivado por parassíntese; desterrado só indiretamente o é, devendo em primeiro lugar ser encarado como u...

Pergunta:

Qual é o coletivo de soldados?

Resposta:

O primeiro nome coletivo que me ocorre para indicar um conjunto de soldados, militares ou conjunto de tropas é exército. Contudo, o Dicionário Houaiss regista ainda os seguintes nomes coletivos da palavra em questão: ala, cavalaria, companhia, esquadra, hoste, infantaria, legião, manga, mesnada, pelotão, piquete, polícia, rancho, recruta, regimento, ronda, soldadesca, troço/ô/, tropa. Se tivermos como referência o Dicionário Terminológico, nome comum coletivo é todo o «nome que se aplica a um conjunto de objetos ou entidades do mesmo tipo», e, neste caso em particular, o vocábulo exército designa precisamente o «conjunto de todas as forças militares terrestres de um país (in Dicionário da Língua Portuguesa).