Pergunta:
Penso que conheço a resposta à pergunta que vou fazer, mas o erro é tão frequente, que até eu começo a duvidar do que sei... Trata-se do seguinte: lê-se (e ouve-se, mas aqui os fautores da asneira podem invocar má audição do ouvinte...) cada vez com mais frequência frases começadas por «o ano passado», «a semana passada», «o mês passado» seguidos da descrição de uma acção («aconteceu», «verificou-se»...). Ver por exemplo o editorial do Público de dia 9 de Novembro de 2008, em que aparece «o ano lectivo passado... os professores regressaram às escolas...»). A minha pergunta é se não deveria dizer-se «no ano passado», «na semana passada», «no mês passado»; no caso concreto referido, se não deveria ser «no ano lectivo passado... os professores regressaram às escolas...»? Reafirmo que tenho mais de 99,99% de certeza de que deveria... mas com a TLEBS nunca se sabe! E o director do Público tem a mania de que sabe (este é um erro sistemático nos editoriais por ele escritos...).
Resposta:
As expressões em apreço correspondem a adverbiais de tempo realizados por sintagmas nominais.
Cito Mateus, Maria Helena Mira et al. 2003 — Gramática da Língua Portuguesa, Caminho (pp. 166-167):«A expressão de adverbiais de tempo é extremamente variada, podendo ser explicitada através de advérbios de tempo, de sintagmas preposicionais e também de sintagmas nominais.»
Mais adiante (p. 429) temos: «Na posição do advérbio ontem em (50) [O Luís partiu para Paris ontem] poderíamos encontrar SNs (esta manhã, esta noite, a semana passada, o mês passado)...».
Em nota da pág. 167 da mesma obra encontramos remissão para a tese de doutoramento de Telmo Móia (1999 — Identifying and Computing Temporal Locating Adverbials with a Particular Focus on Portugues and English, Universidade de Lisboa), com o resumo da sua descrição do fen{#ó|ô}meno, a saber: os sintagmas nominais de localização temporal são sempre sintagmas preposicionais em que a preposição se encontra a um nível mais abstracto de representação.
Deste modo, podemos concluir que, em português europeu, é admitida a não realização da preposição nestes adverbiais de localização temporal — fa{#c|}to que é atestado no texto de José Manuel Fernandes, mas também noutros:
«— Fui a semana passada à oficina dele e a Nossa Senhora vai adiantada.»
Carlos de Oliveira,
Casa na Duna « — Então, e a tua peça? Terminei-a a semana passada.» Mário de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio
« Ainda era pior! O ano passado, antes de os índios matarem Feliciano, seu Juca esteve em Todos-os-Santos... — E então?» Ferreira de Castro, A Selva
« — O ano passado, quando estive em Lisboa... Garrado voltou a pensar nas letras, na filha e no empréstimo.» Manuel da Fonseca, Cerromaior.