Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Trabalho actualmente num CNO [Centro Novas Oportunidades] e RVCC [Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências] e vou acompanhar um adulto brasileiro num processo de RVCC. Naturalmente, esse adulto utiliza a variante brasileira do português. Segundo informação verbal da Agência Nacional para a Qualificação, este adulto deverá passar a utilizar a variante europeia do português no desenvolvimento do processo. Sou da opinião que, sendo a sua língua materna o português — não interessa a variante — ele não deverá ser obrigado usar a variante europeia.

Gostaria de ver esclarecido o estatuto da variante que os brasileiros falam quando se encontram em Portugal: língua materna, língua segunda ou português língua não materna. Recordo que o Referencial de Competências-Chave só fala em «língua portuguesa e língua estrangeira», não mencionando qualquer variante específica. Por essa razão, e tendo em conta as três possibilidades anteriores, só consigo considerar a variante desses adultos como língua materna e não vejo por que razão devam ser obrigados a usar a nossa variante. Antecipadamente grata.

Resposta:

1. Um brasileiro em Portugal e um português no Brasil falam a mesma língua materna: a língua portuguesa.

2. Os alunos integrados no sistema  de ensino português falantes do português do Brasil mantêm-se falantes do português do Brasil. O documento Perfis Linguísticos da População Escolar Que Frequenta as Escolas Portuguesa (coord,. Isabel Leiria), encomendado pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, do Ministério da Educação, integra num mesmo grupo «alunos para quem o português europeu (PE) ou o português brasileiro (PB) sempre foi língua materna, língua de comunicação com os seus pares, e foi sempre a língua da escola e da família» (p. 6). Não apenas se assume que o português do Brasil deve ser aceite nas escolas portuguesas, como também se faz o alerta ao professor de Português para o facto de ele ter de dominar conhecimentos sobre as variedades sociais e dialectais do português brasileiro, de modo a poder ser capaz de distinguir o que são e o que não são características próprias das variedades do português do Brasil «tão legítimas e respeitáveis como as manifestações do padrão PE» (p. 9).

3. Não consegui obter informação pertinente que cubra o caso de adultos brasileiros a desenvolver formação em Portugal. Chegou-me uma nota informativa que recebi da Agência Nacional de Qualificações para os CNO, via CNAI, que diz: «Informamos, ainda, que os candidatos estrangeiros que possuam habilitações de nível não superior e pretendam desenvolver processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências não podem desenvolver na íntegra o Portefólio Reflexivo de Aprendiz...

Sobre a ordenação dos termos na frases e efeitos derivados — um artigo de Ana Martins no semanário português Sol, de 14 de Fevereiro de 2009.

 

Em português, como noutras línguas, há uma ordem de colocação das palavras mais frequente do que outra. Por exemplo, o adjectivo costuma vir a seguir ao nome, o determinante ou o quantificador vêm habitualmente antes do nome, os pronomes com função de complemento directo, assim como os advérbios de intensidade, têm lugar marcado a seguir ao verbo, etc.

Pergunta:

Qual a regência do verbo aferir?

Resposta:

Designa-se por regência verbal a relação do verbo com o seu complemento. É frequente que esta relação seja marcada através de uma preposição, isto é, que o complemento do verbo seja introduzido por uma preposição. É uma situação frequente, mas não obrigatória.

Diz-se «aferir o taxímetro» ou «aferir o conta-quilómetros» sem recurso a preposição.

Diz-se «aferir a capacidade do povo pelas suas realizações» com recurso à preposição por.

Pergunta:

Prezada consultora Ana Martins,

Com relação à resposta dada por V. Exa. a uma consulta minha sobre os apelidos luso-brasileiros Gorjão e Gurjão, devo dizer-lhe, minha senhora, que a resposta não deixou claro qual seria a forma melhor, o que é de se estranhar, haja vista que sempre há uma forma melhor e outra menos boa, ou variante, para os nossos sobrenomes, quando ocorre duplicidade de formas.

Esclareço que a ortografia atual à qual me referia é a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico que entrou em vigor neste ano aqui no Brasil, pelo menos para a imprensa. Creio que ela pode ser chamada atual, pelo menos para a grafia dos sobrenomes luso-brasileiros em apreço, a qual, pelo Acordo Ortográfico, parece não ter mudado.

Muito obrigado.

Resposta:

Dizer que Gurjão é uma forma melhor que Gorjão ou vice-versa impõe saber à luz de que critério — ortográfico (em função de um dado Acordo Ortográfico), etimológico ou legal (ou outro).

Critério ortográfico: no Acordo de 1943 lê-se: «Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, estão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns. Para salvaguardar direitos individuais, quem o quiser manterá em sua assinatura a forma consuetudinária.» Admite-se, portanto, Gorjão e Gurjão.

Critério etimológico: o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Rebelo Gonçalves, regista Gorjão e Gurjão.

Critério legal: o indivíduo que tem no seu documento de identificação o apelido Gurjão deve obrigatoriamente manter Gurjão; idem para Gorjão.

Pergunta:

Eu quero que me esclareçam a diferença do pretérito imperfeito de cortesia e o condicional.

Resposta:

O imperfeito do indicativo e o condicional são alguns dos recursos usados na interação verbal cortês. A cortesia linguística é ativada em atos de fala diretivos não impositivos, que são sempre ameaçadores da face do interlocutor.

Recurso ao imperfeito:

 

(i) «Fazia o favor de enviar este documento à Direcção Regional?»
(ii) «Podias passar este texto a limpo?»

Há quem fundamente este valor pragmático do imperfeito no significado temporal e aspectual deste tempo verbal: o imperfeito projeta a ação no passado e dá-a como não acabada. Então, o valor de cortesia seria uma derivação daquele significado nuclear, geradora de um efeito de distanciamento (já não temporal, mas social) entre locutor e interlocutor. Com o recurso ao imperfeito dá-se também espaço de atuação ao interlocutor: visto que a ação é configurada como não acabada, ela não é dada como peremptória, admitindo-se, formalmente, a negação do interlocutor em realizar o pedido ou favor.

Relativamente ao condicional, o processo é basicamente o mesmo.

Assinala-se, com o recurso ao condicional, um maior distanciamento entre interlocutores, o que resulta numa formulação mais cortês:

 

(iii) «Gostaria de falar consigo um minuto.»

(iv) «Poderia falar consigo um minuto?»

Lindley Cintra e Celso Cunha fazem a descrição do condicional de cortesia nos mesmos termos da do imperfeito — «uma forma polida de presente», e acrescentam ao condicional a particularidade de ser, «em geral, denotadora de desejo». (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 461).