Sobre a ordenação dos termos na frases e efeitos derivados — um artigo de Ana Martins no semanário português Sol, de 14 de Fevereiro de 2009.
Em português, como noutras línguas, há uma ordem de colocação das palavras mais frequente do que outra. Por exemplo, o adjectivo costuma vir a seguir ao nome, o determinante ou o quantificador vêm habitualmente antes do nome, os pronomes com função de complemento directo, assim como os advérbios de intensidade, têm lugar marcado a seguir ao verbo, etc.
A alteração da ordem directa dos elementos na frase produz efeitos diferentes. O efeito mais vulgarmente apontado é aquele em que a palavra, colocada fora da sua posição normal, deixa de ter um sentido próprio ou concreto para passar a assumir um sentido derivado ou abstracto: há quem aprecie mais uma «mulher boa» do que uma «boa mulher» e mais vale ser um «homem pobre» do que um «pobre homem»…
Atenção que há casos que enganam. São aqueles em que não está em causa a mudança de posição de uma mesma palavra na frase, mas sim colocações (canónicas) de palavras funcionalmente diferentes. Dizer «a cidade tem imensos jardins» em nada se relaciona com «a cidade tem jardins imensos», porque «imensos», na primeira frase, é um quantificador (correspondente a «muitos» jardins), mas, na segunda frase, «imensos» é adjectivo (equivalente a «grandes»). Aliás, os puristas rejeitam «imensos» como quantificador…
Altera-se também a ordem dos constituintes por uma questão de estilo: Bem Escrever, Bem Dizer (título do livro de Edite Estrela) tem mais cadência e elegância.
Mais difícil de explicar é a fórmula encontrada pelos governantes para fazer promessas: «O Governo tudo fará para salvar a Qimonda», José Sócrates, Jornal de Negócios, 23/01/09). O que é que «tudo fará» acrescenta a «fará tudo»? É mais assertivo ou mais enfático? Várias interpretações são possíveis, entre elas, a que faz notar que a fórmula tem ressonâncias bíblicas: «Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele tudo fará», Sl. 37:5) — que é uma forma de dizer «seja o que Deus quiser!…»
Artigo publicado no semanário Sol de 14 de Fevereiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz.