Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a origem da palavra brejo?

Resposta:

Brejo, «pântano, lamaçal; terreno inculto que só produz urzes, matagal» (Dicionário de Língua portuguesa da Porto Editora, 2009), terá origem pré-romana, numa forma talvez céltica *bracum. É, no entanto, possível que na evolução fonetica da palavra tenha havido a influência do árabe.

O Dicionário Houaiss parece lacónico a respeito deste vocábulo: «orig[em] obsc[ura]; segundo J[osé Pedro] M[achado], prov[avelmente] céltica, com influência moç[árabe], doc[umentado] em 1176 e, como top[ónimo] bregium, em 1257; ver brej-; f[orma] hist[órica] 1176 brejo, 1540 bregio, 1567 brejo.» No entanto, o mesmo dicionário detém-se um pouco mais com o radical brej-:

«antepositivo, do port[uguês] brejo, de orig[em] contr[o]v[ersa]; J[osé] P[edro] Machado, s.v. brejo, recorre a Wartburg, citando Kleinhans, que menciona o címbrio brag-wair e brag-welt, nomes de plantas aquáticas, e a pal[avra] *bracum, de orig[em] céltica, e acrescenta: "Brejo, 'terra húmida, lodosa (...)', é vocábulo do Sul de Portugal, pelo que não parece difícil admitir na sua evolução o intermédio moç[árabe]: á > e e g > j", hipótese corroborada por Heckler et alii, s.v.

Pergunta:

Gostaria de saber a classificação morfossintática de «o facto de». É locução prepositiva? A propósito, uma locução prepositiva terá de iniciar por uma preposição, como «à mercê de»?

Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

1. «O facto de» não é locução prepositiva.

Na frase:

«O facto de ter sido promovido alterou-lhe a atitude»,

«O facto de ter sido promovido» é o sintagma (grupo) nominal que realiza na frase a função de sujeito.

Vejamos a estrutura desse sintagma nominal:

facto: núcleo

o: determinante

de ter sido promovido: complemento do nome

Este complemento do nome é realizado por um sintagma preposicional de carácter oracional, isto é, com a estrutura preposição + oração não finita.

Atentemos em estruturas similares:

«A hipótese de ser promovido alterou-lhe a atitude.»

«A ideia de vir a ser promovido alterou-lhe a atitude.»

1.1. Há, no entanto, alguma especificidade em «o facto de...» quando comparado com «a hipótese/ideia»: É que os nomes hipótese/ideia podem ser complementados por um sintagma preposicional não oracional (isto é, com a estrutura preposição + nome), ao passo que facto, não:1

«A hipótese de promoção deu um novo ritmo ao seu trabalho.»
«A ideia de(a) promoção deu um novo ritmo ao seu trabalho.»
«*O facto de(a) promoção deu um novo ritmo ao seu trabalho»

1.2. Por outro lado, «o facto de» tem algum grau de fixidez (aproximando-se de uma expressão formulaica) e funciona como uma estrutura funcionalmente equivalente àquela que tem uma oração com...

Pergunta:

O Acordo Ortográfico, em vigor, prescreve assim:

«O h inicial mantém-se, no entanto, quando, numa palavra composta, pertence a um elemento que está ligado ao anterior por meio de hífen: anti-higiénico/anti-higiênico, contra-haste; pré-história, sobre-humano.» (Base II – Do h inicial e final, 3.º).

Todavia, há um adjetivo, sem hífen, nas mesmas condições acima, como aistórico (datado, segundo Houaiss, de 1930). Aliás, o próprio Houaiss informa que aistórico, menos corrente e mais usado que anistórico, refere-se a uma forma «neológica controversa; propõe-se como forma alternativa anistórico, vocábulo calcado no pressuposto de que o a- privativo grego toma a forma an- antes de vogal, o que é verdade quando não se trata de vogal aspirada — precisamente o caso de histórico, do gr. historikós».

O Acordo não acolheria aistórico por ser uma forma neológica?

Como lidar com esta situação em sala de aula, especialmente na formação de professores de língua materna?

Resposta:

1. A regra citada não se aplica porque a-/an- não é radical, mas, sim, prefixo, não estando em causa, portanto, uma palavra composta. Acresce se a-/an- não se liga à forma de base através de hífen (cf. amoral, assexuado) também não está em causa a supressão/não supressão do h.

2. Confirma-se que anistórico («contrário à história») é a forma preferencial.

A redundância tem algum mérito ou é mesmo, simplesmente, um vício de linguagem? Eis uma breve reflexão a propósito, da autoria de Ana Martins, no Sol.

 

Para quem gosta de caçar redundâncias, aqui vão mais duas: «o Presidente poderá assinar uma nova ordem ordenando o encerramento definitivo daquela prisão» (Público, 22/01/09); «a aplicação prática do Acordo Ortográfico» (Lusa, 13/11/08)

Em dia dedicado às línguas maternas, Ana Martins, no semanário Sol, de 21 de Fevereiro de 2009, propõe uma breve reflexão sobre a assunção do inglês como língua franca.