A redundância tem algum mérito ou é mesmo, simplesmente, um vício de linguagem? Eis uma breve reflexão a propósito, da autoria de Ana Martins, no Sol.
Para quem gosta de caçar redundâncias, aqui vão mais duas: «o Presidente poderá assinar uma nova ordem ordenando o encerramento definitivo daquela prisão» (Público, 22/01/09); «a aplicação prática do Acordo Ortográfico» (Lusa, 13/11/08)
A redundância é declarada um vício de linguagem. Inundar o discurso com palavras, podendo ser frugal, será uma maneira viciada de dizer as coisas (não está o vício associado ao excesso?). A sanção deste lapso vem sempre acompanhada da ridicularização do infractor: a vítima é simultaneamente ignorante (porque não conhece a etimologia ou o verdadeiro significado das palavras) e pouco inteligente (porque não vê que se está a repetir).
Esquecem-se de que a língua está cheia de repetições e excrescências: não existe suicidar, só suicidar-se, apesar de «o Zé não poder suicidar a Maria»; «gritar bem alto» e «exceder em muito» são estruturas válidas porque não há outra maneira — mais sintética — de intensificar o acto de gritar e exceder. Por outro lado, as relações entre palavras apoiam-se na redundância: se o leitor reparar bem, verá que em «nós os dois estamos contentes» todas as palavras repetem a ideia de plural. Outras frases repetem afincadamente a ideia de negação («não conheço ninguém»), outras, a ideia de pessoa («deu-me, a mim»). E etc.
Note-se também que o que é redundante num contexto não o é noutro: uma «análise minuciosa» é redundante em contexto científico, mas não o é se estivermos a falar de uma investigação jornalística, por exemplo. E, nestes tempos em que se relativiza tudo, será redundante dizer «toda a verdade» quando há «as meias-verdades» ou «a tua e a minha verdade»?
Se é reprovável usar palavras a mais para dizer uma coisa, ainda é mais reprovável usar da palavra para não dizer nada — porque aí a palavras estão sempre a mais. Sobre o facto de o Coliseu do Porto deixar de ter financiamento para a realização de espectáculos de ópera, o ministro da Cultura declarou que «é no seu âmbito [da fundação Casa da Música] que essas questões têm de ser colocadas». Ora, a Casa da Música (111,2 milhões de euros) não tem fosso de orquestra, pelo que nunca poderá acolher ópera.
Artigo publicado no semanário Sol de 28 de Fevereiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz.