Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O que significa «emprego absoluto» da palavra meio-dia, no seguinte passo das regras de uso da letra maiúscula inicial do Acordo Ortográfico: «... Meio-Dia, pelo sul da França e de outros países...» (Base XIX, 2.º, g). Como é possível empregar Meio-Dia no lugar de «sul da França»? Que relação há entre esses termos?

Resposta:

Significa que a palavra funciona como nome designativo de uma região. Opõe-se a relativo, dado que este emprego dos pontos cardeais pressupõe um ponto de referência, o eixo norte-sul da agulha da bússola.

Meio-Dia designa a zona sul de França porque o Sol do meio dia solar designa sempre o sul, no hemisfério norte, acima do trópico de Câncer.

 

N.E. – E há, ainda, o termo meio-dia, igualmente com hífen, sendo o plural meios-dias,  equivalente  a 12 horas – ou seja, «o momento que divide o dia civil em duas partes iguais». Cf. Textos Relacionados com outros casos de compostos com o advérbio meio.

Pergunta:

Na frase «Aquele rapaz é jogador de futebol», a palavra jogador é um adjetivo?

Resposta:

A palavra jogador integra um predicativo do sujeito. No entanto, esta informação não nos conduz à conclusão de qual a classe de palavra activada na frase, pois o predicativo do sujeito «pode ser um grupo nominal, um grupo adjectival, um grupo preposicional ou um grupo adverbial (Cf. Dicionário Terminológico B.4.2.).

A palavra jogador é adjectivo em frases como «pede ao teu irmão jogador um autógrafo para mim», «o meu cunhado jogador vai matar a minha irmã de desgosto» (exemplos retirados do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Sabemo-lo pela função de modificador restritivo do nome.

Considerando a frase em apreço, considera-se que jogador pode ser considerado tanto adjectivo como nome, o contexto é neutro. Não o seria caso jogador fosse imediatamente antecedido de determinante:

«Aquele rapaz é um jogador de futebol.»
«Aquele rapaz é o jogador de futebol [de que te falei].»

Neste caso, claramente, jogador é nome.

Pergunta:

Poderiam esclarecer-me, por favor, sobre a estrutura morfémica das palavras duquesa e princesa?

Muito obrigado.

Resposta:

Dado que -esa é sufixo derivacional de variação em género, assim:

duqu- + -esa
radical

 

princ(ipe) + -esa
radical

Cf. Villalva, Alina, 2000 – Estruturas Morfológicas. Unidades e Hierarquias nas Palavras do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT: 229.

Pergunta:

No Dicionário Houaiss, encontrei a seguinte forma:

«Norte: ... que se situa ao Norte»

e entendi pela resposta de vocês que a preposição a não deveria vir acompanhada de artigo.

O uso do artigo tem a ver com a preposição apenas ou com norte/Norte? Ou seria no Brasil diferente? (Quase não encontro a forma «a norte» em textos do Brasil.)

Resposta:

1. O uso da preposição sem contracção de artigo é regular para todos os pontos cardeais, no português europeu.

2. A edição portuguesa do Dicionário Houaiss (da editora Temas e Debates) regista «Norte (adj.): diz-se de ou região, ou conjunto de regiões, que se situa a norte.»

3. Na edição original (brasileira) do mesmo dicionário lê-se «região, ou conjunto de regiões, que se situa ao Norte».

4. Na resposta em apreço, o consulente é português, daí que não se tivesse deixado em nota que a descrição que estava a ser feita era para o português europeu. No entanto, reconhece-se que essa informação é necessária para a resposta ficar realmente completa.

Pergunta:

Em que subclasse se insere o verbo sentir? É um verbo copulativo, ou transitivo?

Resposta:

1. O verbo sentir(-se) tem mais do que uma estrutura sintáctica, pelo que a sua classificação quanto ao tipo de predicação de que participa não pode ser unitária.

2. Sentir é verbo transitivo em:

«O Zé sentiu frio.»
«Senti passos.»
«Sinto que vou ficar doente.»

 

3. Sentir-se é verbo copulativo em:

«O Zé sentiu-se o rei da bicharada.»
«O Zé sentiu-se insignificante.»
«As crianças sentiram-se mal.»
 
N.E. (20/03/2021) – Não tem havido consenso dos gramáticos sobre a subclasse de sentir quando usado reflexivamente. De acordo com a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 1344), é um verbo pleno que seleciona um predicativo do sujeito secundário (ver "A subclasse de sentir-se II").