Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Lendo a célebre obra de Aquilino Ribeiro Quando os Lobos Uivam (Bertrand, 3.ª edição), deparei-me com alguns termos e expressões que gostaria de esclarecer, visto que não o consegui através de dicionários.

Venho por isso pedir ajuda ao Ciberdúvidas, a qual desde já muito agradeço.

Qual o significado de:

«fazer o bem de alma» (pág. 23); «deitar vozes a gaiteiro» (pág. 56); «homem-lige» (pág. 57); «à fia resga» (pág. 103); «ronho do matagal» (pág. 249)?

Gostava também de saber se existe algum glossário dos termos e expressões de carácter regional, empregados pelo grande escritor nas suas admiráveis obras.

Resposta:

Aquilino Ribeiro é um autor muito complexo, e há apenas algumas referências quanto à sua linguagem. Destacamos as seguintes:

Sousa, Maria da Graça Frazão Castelo Branco, Linguagem regionalista e linguagem popular em Aquilino Ribeiro: o caso de Aldeia, Covilhã: 2005. Tese de mestrado em Língua, Cultura Portuguesa e Didáctica apresentada à Universidade da Beira Interior.

Almeida, Manuel Henrique Maximino de, Aquilino Ribeiro entre jornalismo e literatura: conformação e canonização da escrita Aquiliniana (1903-1933). Viseu: [s. n.], 2001. Tese de doutoramento em Literatura Portuguesa, Univ. Católica Portuguesa.

De fa{#c|}to, não são muitas as fontes ou glossários para Aquilino Ribeiro, contudo, ele bebia em Camilo, e este, por seu turno, nos velhos gramáticos e léxicos da língua. Talvez valha a pena consultar também o Dicionário de Camilo Castelo Branco (1989), de Alexandre Cabral.

Tendo em conta que muitos dos vocábulos e das expressões em Aquilino são regionalismos ou provincianismos, termos populares (plebeísmos), termos antigos, em desuso, termos familiares, gíria, calão, estrangeirismos e mesmo neologismos, torna-se difícil a sua identificação. Se o que se pretende é estudar aprofundadamente a linguagem de Aquilino, sugerimos que se consultem dicionários do tipo dos acima mencionados.

Estas são, basicamente, as “fontes” aquilinianas.

Quanto às expressões remetidas, segue-se a respectiva definição:

«Homem-lige, s. m. (ant.) o que devia certa prestação de serviço ao senhor, que era ligio; (fig.): Era o Chico Barbudo, homem-lige da reação, que acampava ali todas as noites com a sua gente. ( Aq. Ribeiro, Mônica, p. 248, 4. ª ed.) Cf...

Pergunta:

Quando se usa abusada e abusiva corretamente? Tenho uma grande dúvida, já que aqui eles falam muito em abusiva para tudo, e, pelo meu entendimento, abusada é quando alguém abusa da confiança, e abusiva é quando alguém foi cobrada indevidamente ou exageradamente.

Agradeço o esclarecimento.

Resposta:

Abusado e abusador são sinónimos1, alguém abusado ou abusador é alguém que abusa de alguma forma. Segundo o Dicionário Houaiss:

«abusador, adj. s. m. (1791 cf. DA2) que ou o que abusa ¤ etim rad. do part. abusado + -or»

«abusado, adj. (1533 cf. DA) 1 que abusa, que vai além do razoável ou do permitido 2 fig. dado a abusões ('crenças'); supersticioso 3 B que é dado a atrevimentos; confiado, intrometido 4 (a1923) B N. B N.E. que costuma fazer provocações ou meter-se em brigas; rixento <valentão a.>  5 (a1923) B N. B N.E. que aborrece, que entedia <um barulho a.>  ¤ etim part. de abusar; ver us(u)-; f.hist. 1533 abusar, 1816 abusado»

Abusivo é algo que resulta de um abuso «adj. (1771 cf. DDP) resultante de abuso <aumentos a.>  ¤ etim lat. abusívus,a,um 'empregado de modo abusivo, falso'»

Exemplificando, «alguém é abusador ou abusado», mas «uma coisa é abusiva» (ex.: Ele é abusado/abusador, pois teve uma atitude abusiva).

Aconselhamos ainda a leitura deste artigo da consultora Edite Prada.

1 Note-se que abusador é mais usado em português europeu, ao passo que

Pergunta:

Gostaria se saber porque se dá o nome de "alho francês" ao "alho porro", uma vez que o nome científico é "allium porrum".

Resposta:

Em português actual, ambos os vocábulos existem, sendo que alho-francês é mais usado na variante europeia do português, e alho-porro é mais usado na variante brasileira. Quanto à sua classificação científica, é verdade que este vegetal da família das aliáceas, uma das espécies de alho (do lat. allĭum,ĭi 'alho; cebola', pelo vulgar; ver alh-; f.hist. 1278 alyo), é designado por Allium ampeloprasum var. porrum. Contudo, isto não é argumento para a maior ou menor legitimidade de um ou do outro termo. Não encontrámos o porquê de se chamar francês a este tipo de alho, contudo, pressupõe-se que teve origem na influência da culinária francesa, onde o dito vegetal era muito usado.

Para concluir, referimos ainda que alho-francês ou alho-porro é ainda conhecido por alho-macho, alho-poró, alho-porrô, porro-bravo e porro-hortense.

Pergunta:

Trabalho muito em questões relacionadas com desenvolvimento regional e até agora sempre vi oposto ao conceito de centralidade e interioridade o termo perifericidade. Ora qual não foi o meu espanto quando hoje deparei com documentos de fontes aparentemente fidedignas (oficiais) que falam em "pericidade"... Quererão esclarecer-me?

Resposta:

A noção que a consulente tem dos termos centralidade, interioridade e perifericidade está correcta. Quanto ao termo pericidade, existe, mas não diz respeito a periferia/perifericidade, é referente a perícia, sinónimo de habilidade, destreza. Como não sabemos em que contexto o termo foi usado, não podemos avaliar a sua legitimidade. Se foi usado com o sentido de «perifericidade», trata-se de uma gralha; se não, é provável que o seu emprego esteja correcto.

Esperamos ter ajudado.
Sempre ao seu dispor.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a etimologia da palavra ontogenia ou ontogénese. Qual foi a área de conhecimento que começou a utilizá-la?

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra ontogenia é um substantivo feminino da terminologia da área da biologia, e refere-se ao desenvolvimento de um indivíduo desde a concepção até à idade adulta; m. q. ontogénese.

Ontogenia forma-se pela composição de ont(o)- + -genia, e ontogénese, pela composição de ont(o)- + -génese, cuja etimologia é descrita abaixo:

«Ont(o), elemento de composição, antepositivo, do gr. ón,óntos ou ôn,óntos, 'ser, criatura', part. pres. de eimí, 'ser', respectivamente no neutro e no masc.; ocorre em cultismos do sXIX em diante: anontivo, antiontivo, auto-ontivo; ontero, ôntico, ontivo, ontociclo, ontogénese, ontogenético, ontogenia, ontogénico, ontogonia, ontogónico, ontoleste, ontologia, ontológico, ontologismo, ontologista, ontólogo.»

«-genia, elemento de composição, pospositivo, do gr. génos,eos-ous, 'raça, tronco, família' + o suf. -ia formador de subst. abstractos, em compostos de várias épocas (alguns dos quais, orign. gregos) que recobrem as acp. de 'origem, descendência, raça': androgenia, antropogenia, astrogenia, biogenia, criogenia, dinamiogenia/dinamogenia, embriogenia, epigenia, etnogenia, etogenia, [...] zoogenia; os adj. conexos são em -génico (ver); ver tb. -génese

«-génese,  elemento de composição pospositivo, do gr. génesis,eós, 'fonte, origem, início', der. do v. gígnomai de sentido original 'nascer', posteriormente, em empregos particulares, 'gerar, produzir', conexo, pelo i.-e., com o lat. genèro 'gerar, procriar' (ver gen-); as duas acp. do v. gr. estão presentes em vasta família de derivados, entre os quais, além do próprio génesis supracitado: génos,eos-ous, 'raça, tronco, família', geneá,âs, 'espécie, geração, raça', e gónos,ou, 'rebento, filho, descendência'...