Emília Amor, recentemente falecida (22 de abril de 2023), deixou-nos uma última publicação: a obra Didática do Português. Sinais de um percurso de vida, editada pela Fundação Manuel Leão (2022).
Trata-se da compilação que, de certo modo, vem dar continuidade à sua Didática do Português – Fundamentos e Metodologia (Texto editora, 1992), uma obra absolutamente nuclear no campo da didática da língua, que até hoje se mantém pertinente e inquietante. Na publicação agora vinda a lume, os editores (Ana Luísa Costa, Cristina Duarte, Filomena Viegas, João Pedro Aido, Joaquim Segura, Luís Filipe Redes, Manuela Lapa e Sónia Valente Rodrigues) reúnem um conjunto alargado de textos, que foram apresentados em eventos relacionados com os processos de ensino-aprendizagem do português e que, por essa razão mesma, se encontravam dispersos. O resultado foi uma coletânea, na qual a «didática da língua materna não é tomada em si mesmo como objeto isolado ou tecnicista, mas como objeto de uma reflexão ampla» (p. 9).
Didática do Português. Sinais de um percurso de vida organiza-se em três grandes momentos. O primeiro debruça-se sobre questões de política da língua, que se equacionam na relação com aspetos de didática curricular do português. É neste âmbito que a autora nos deixa uma mensagem absolutamente marcante: «não se esqueça que a língua é um bem paradoxal precário mas inexaurível, opressivo mas libertador, instável e difuso mas criador de identidades e laços, na esfera pessoal e universal, tão recente na história da espécie e tão ameaçado… se a sobrevivência da Escola passa pelo linguístico, a sobrevivência da língua não depende apenas do currículo, dos programas, dos livros – ou de tudo aquilo em que se vierem a transformar – mas das pessoas.» (p. 58)
A segunda parte da coletânea aborda aspetos da didática curricular. Neste segmento, reúne-se um conjunto de artigos que começam por mostrar a urgência de assumir a importância da didática, como disciplina e como prática, para avançarem, depois, para a importância do português no quadro curricular português e para questões essenciais no âmbito da didática da língua materna.
Por fim, a terceira parte da obra dedica-se a questões particulares de didática do português, onde encontramos artigos dedicados às tipologias de texto, à didática da escrita, ao discurso pedagógico no manual escolar, à gramática usada como base para a produção de materiais de avaliação e à relação entre gramática e texto literário.
Refletindo sobre língua e literatura, Emília Amor deixa-nos palavras sábias, plenas de bom senso e de atualidade: «Reitera-se até à exaustão a importância da leitura – o eu, em si, é matéria incontroversa – mas não se cuida de perceber que essa leitura não se constrói, nem produz efeitos virtuosos ab nihilo, que há um “como” que a escola tem de saber redefinir com urgência, sob pena de continuar, pateticamente, a assistir às “guerrilhas” entre “fundamentalistas” da língua e “fundamentalistas” da literatura. Um “como” que, da expressão oral à leitura e à escrita, permita a cada aluno experienciar o fazer da língua: o fazer comum, tendencialmente convergente numa norma, e o fazer literário – poético – em que a língua encena a sua origem e, assim, se expõe e se perpetua, nas palavras de Manuel Gusmão, “em estado de nascimento”. (pp. 186-187).
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
Se pretende receber notificações de cada vez que um conteúdo do Ciberdúvidas é atualizado, subscreva as notificações clicando no botão Subscrever notificações