Sobre a boçalidade do uso indiscriminado de palavras inglesas na imprensa — um artigo de Ana Martins no Sol.
Li há tempos esta passagem no Diário de Notícias: «refere o analista André Rodrigues (…) num relatório de research» (DN, 24/10/08). Lembrei-me imediatamente do dialecto miscigenado dos emigrantes portugueses em França, parodiado (com injustificável desprezo, aliás) em locuções do tipo «ir de vacances», «entrar na autoroute» e «janelas à la fenêtre numa casa estilo maison».
O que se passa na imprensa portuguesa hoje é, de facto, muito semelhante:
«CPLP e 'free-riding'», crónica de Manuel Ennes Ferreira, «"think tank" Grupo África-IPRI» (Expresso, 18/8/08); «Matteo guia-nos através de cinco plots» (Visão, blogue de cinema, Final Cut, 19/09/08); «Dois shuttles, três comboios, dois barcos e mais policiamento.» (Visão, 25/09/08); «esta espécie de "wishful thinking" que ressalta da frase de Verne» (Expresso, 27/09/08); «A construção do cluster industrial eólico em Viana do Castelo» (Público, 28/10/08).
Note-se que não está em questão o uso abusivo de estrangeirismos, simplesmente porque as palavras sublinhadas não são estrangeirismos: não são palavras do léxico do inglês que tenham sido integradas no léxico do português; essas palavras e expressões nem sequer são empregados pela comunidade de falantes do português. O que se passa é que, tal como as palavras francesas encavadas na fala dos emigrantes eram uma forma de ostentar abastança cultural, as palavras inglesas são para o jornalista uma marca de modernidade, de plena integração do seu texto no mundo globalizado.
Uma vista de olhos pelas notícias que se ocuparam das eleições americanas:
«Endorsements valem pouco mas apoio de Powell foi excepção» (Público, 24/10/08); «Os porta-vozes oficiais das duas campanhas que chegaram ao spin room» (Público, 28/09/08); «O dia da eleição, 4 de Novembro (…) tornou-se mais um deadline do que uma data» (Público, 28/10/08); «as sondagens à boca das urnas revelaram-se um flop» (Público, 4/11/08).
O recurso ao inglês é um must, um sinal de que se está in.