O que é verdadeiramente escrever mal? Dizer mal?
Os que falam em desrespeito intolerável pela língua são apodados de puristas, normativos, conservadores. Não raro, há crispações em torno do tema da fixação da norma e da aceitação dos usos.
Os exemplos abaixo nada têm que ver com esse tema. São simplesmente casos em que o jornalista revela ignorar a estrutura da sua língua materna.
«Seis algarismos apenas causaram o motivo da discórdia.» (DN, 5-5-07) — Devia estar: causaram a discórdia.
«Ocorreram ao local os Bombeiros Voluntários da Amadora (…).» ("Correio da Manhã", 3-5-07) — Devia estar: acorreram.
«(…) consolidar a sua competividade nos mercados internacionais.» ("Sol", 28-4-07) — Devia estar: competitividade.
«(…) no fundo, um terreno sobre a mira constante das possibilidades de interpretação.» ("Expresso", 17-3-07) — Devia estar: sob a mira.
Não são gralhas. São erros típicos dos alunos do Ensino Básico e do Secundário. Donde se depreende que o mal não tem sido exclusivo dos jornalistas.
Podemos, então, pôr no banco dos réus a falta de brio — pois os jornalistas sabem que são profissionais da língua e reconhecem que aquilo que é dito nos media é depois abundantemente repetido pela comunidade de falantes. Mas há, primeiramente, uma responsabilidade institucional, porque está a falhar, há muito tempo, a formação inicial destes profissionais no que toca ao ensino da língua.
Nenhuma língua morre por ser mal falada. O uso incorrecto da língua é que é um reflexo de um estado avançado de declínio de saberes e competências, responsável por um progressivo apagamento social e cultural. É assim que morre uma língua.
Idiomicídio? Antes disso: suicídio cultural por inércia.
"Sol"
in semanário "Sol", coluna "Ver como se diz"