Qual é o português que não conhece bem o significado e a pronúncia de palavras como bobo, chopinho, carona, maiô? Qual o português, nascido e criado em Portugal, que não reconhece imediatamente a originalidade e a melodia de expressões como dar mancada, encher o saco, botar pra quebrar?
Fez agora 30 anos que a RTP pôs no ar o primeiro episódio da telenovela Gabriela, baseada no romance Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado. A empatia foi imediata, o sucesso estrondoso. Com as telenovelas seguintes, o êxito redundou. Surpreendia a irreverência, o humor, a crítica social e a maneira de falar. Há frases que têm lugar assegurado na nossa memória: «Moço bonito…» (Gabriela, em Gabriela); «Deixemos de lado os entretantos e vamos directo aos finalmentes!» (Odorico Paraguaçu, em O Bem-Amado); «Tô certo ou tô errado?» (Sinhozinho Malta, em Roque Santeiro).
Um retrato muito breve. A variedade do português do Brasil distingue-se da variedade do português europeu pela pronúncia e entoação (por exemplo, a produção de t e d com o som "tch" e "dj"); pela sintaxe (por exemplo, a colocação do pronome antes do verbo — «Me conta esse negócio»); e pelo vocabulário: o português do Brasil é marcado pela presença de palavras de origem tupi-guarani (cuíca, tapioca, jenipapo) e por palavras de origem africana (bunda, xingar, jagunço).
Um trabalho interessante a fazer era o de averiguar o quanto o português europeu foi influenciado pelo português do Brasil, através do contacto proporcionado pelas telenovelas. É que os exemplos não são difíceis de encontrar:
«João Pinto virou caso de novela de 1.ª categoria» (SIC, "Primeiro Jornal", 3-1-07).
«A polícia militar chega fortemente armada na Cidade de Deus», (Visão On Line, "Galeria de fotos", 20-4-07).
«A oposição sumiu.» (Expresso, 18-4-07).
*artigo publicado no semnário Sol, coluna "Ver como se diz"