Portugal precisa urgentemente de criar as estruturas necessárias para a integração adequada dos seus alunos em contexto multilingue
Todos sabemos que a imigração em Portugal tem aumentado recentemente no número de imigrantes e nas suas diversas proveniências. Sabemos que a escola portuguesa reflecte a entrada no país desses milhares de imigrantes. Mas nem todos sabemos os problemas que existem para as crianças cuja língua materna não é o português e para os professores que estão encarregues de as ensinar. Essa é uma questão discutida hoje nos países da UE.
Um inquérito feito em 410 escolas de Lisboa deu-nos a surpreendente informação de que os alunos do 1.º e 2.º ciclos falavam em casa 58 línguas, e 37 na escola. Esses alunos provêm de 75 países e falam diferentes crioulos (Cabo Verde, Guiné e S. Tomé), hindi e guzerate (línguas da Índia), mandarim, russo, ucraniano e moldavo, urdo, árabe e albanês, francês, inglês e italiano e tantas mais línguas. Se muitos alunos chegam à escola conhecendo o português, outros não têm qualquer forma de comunicação ou porque acabaram de chegar ao país ou porque a sua comunidade usa outra língua no dia-a-dia. Esta situação que abrange crianças de 5 anos ou de 7, 10 ou 12 anos, pode trazer angústia e levar a um isolamento. O problema preocupa os países de imigração e tem levado à produção de documentos internacionais como o Relatório do Parlamento Europeu sobre a integração dos imigrantes na Europa, através de escolas e de um ensino multilingues (Setembro 2005).
Portugal também tem que enfrentar este desafio. Até 1999, quando se deu o reconhecimento oficial do mirandês como uma língua diferente do português, o país considerava-se monolingue. Mas já então existiam em Portugal comunidades que falavam outras línguas, sobretudo os crioulos, embora poucos se preocupassem com a preparação dos professores para acompanhar os alunos que falavam essas línguas.
Hoje as perspectivas são diferentes. É impossível não reconhecer a diversidade cultural e linguística presente em todo o país, embora a convivência entre as várias comunidades seja muitas vezes dificultada pela existência de grupos fechados e, por vezes, discriminados. Porém, os professores que têm de ensinar os meninos provindos dessas comunidades não podem desconhecê-los. O esforço que tem sido feito nas escolas para os integrar é de muito mérito e começa a ser reconhecido e acompanhado.
Existem basicamente dois modelos de integração escolar: monolingues e bilingues ou multilingues (além de formas intermédias de apoio aos alunos). Nos monolingues a língua de comunicação na escola é a do país de acolhimento. Nos bilingues ou multilingues toma-se em consideração a existência de um número significativo de crianças com outra(s) língua(s) materna(s) e organizam-se turmas com professores da língua do país e da língua do grupo de imigração. À semelhança da Alemanha ou da Espanha, têm surgido em Portugal projectos de apoio a alunos com outras línguas maternas e, nessa área, têm sido publicados pelo Ministério da Educação documentos orientadores. Espera-se, agora, a concretização das determinações incluídas nesses documentos.
Será fundamental que as crianças encontrem na escola um espaço para a sua língua materna? Sem dúvida, visto estar provado que o uso da língua materna na escola é crucial para o desenvolvimento cognitivo da criança sobretudo nos primeiros anos de escolaridade. Uma criança bilingue tem probabilidades acrescidas de atingir um nível superior de desenvolvimento intelectual. Assim, propõe-se hoje, em resoluções do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa, a criação de redes de escolas multilingues por se considerar que elas contribuem para o sucesso escolar e social dos alunos que não têm como materna a língua dos países de acolhimento. Portugal precisa urgentemente de criar as estruturas necessárias para a integração adequada dos seus alunos em contexto multilingue.
Texto publicado no semanário “Expresso” de 8 de Dezembro de 2006