« (...) Países com estruturas de planificação linguística mais desenvolvidas, como a Finlândia, têm vindo a consubstanciar uma quarta vertente da planificação, a da tecnologia da língua, fundada na crença de que línguas que não se digitalizem terão tendência a morrer, num processo semelhante ao das línguas ágrafas aquando da invenção da imprensa. (...)»
A planificação linguística (language planning) como área de estudo teve início na década de 1960, para responder a problemas linguísticos de países novos, em desenvolvimento e/ou pós-coloniais. O termo foi cunhado em 1959, por Einar Haugen, em artigo sobre a estandardização do norueguês, onde se define como atividade de preparar ortografia, gramática e dicionário normativos para orientação dos escreventes e falantes, numa comunidade de fala não homogénea. Esta definição cinge-se apenas àquilo que mais tarde veio a ser reconhecido como uma das vertentes da planificação, a do corpus (corpus planning), que se ocupa das formas da língua, vertente à qual viriam a juntar-se outras.
A planificação linguística foi concebida, desde os primórdios, como atividade, prática, exercício, em complementaridade à política linguística, que se desenvolveu em paralelo e foca o estudo dos conceitos, atitudes, crenças e ideologias relacionadas com a(s) língua(s). Ainda na mesma época, outros autores interessaram-se em saber como a sociedade poderia definir as funções e/ou usos de línguas particulares, domínio delimitado por Heinz Kloss em 1969, como planificação do status (status planning); neste âmbito, visa-se encontrar respostas para questões como o estatuto a conferir a cada uma das línguas faladas num dado espaço, a definição de línguas oficiais e/ou cooficiais, ou a escolha da(s) língua(s) a usar na escola e nos media. As relações entre a planificação do corpus e a do status são, idealmente, estreitas, pois planificar o status sem concomitantemente planear o corpus leva a um beco sem saída e, inversamente, planificar o corpus sem planificar o status constitui um exercício social inconsequente.
Robert L. Cooper, na sua obra de 1989 Language Planning and Social Change, redefine o conceito de planificação linguística como «esforços deliberados para influenciar o comportamento de outros relativamente à aquisição, estrutura e alocação funcional dos seus códigos linguísticos». A planificação da aquisição (acquisition planning) é introduzida nesta obra, entendida como o conjunto de esforços organizados para a promoção da aprendizagem da(s) língua(s). É, portanto, neste momento, que ficam definidas as três principais vertentes da planificação linguística consideradas na literatura: planificação do corpus, planificação do status e planificação da aquisição, que devem necessariamente interagir.
Países com estruturas de planificação linguística mais desenvolvidas, como a Finlândia, têm vindo a consubstanciar uma quarta vertente da planificação, a da tecnologia da língua, fundada na crença de que línguas que não se digitalizem terão tendência a morrer, num processo semelhante ao das línguas ágrafas aquando da invenção da imprensa. A Espanha, embora país do Sul, já lançou os alicerces desta vertente, com a atribuição de mil milhões de euros do seu plano de recuperação e resiliência à língua digital.
Em Portugal e na CPLP, tirando vozes de resistentes, progressivamente mais roucas, a gestão da(s) língua(s) e da sua planificação continua entregue a mangas de alpaca e outros curiosos, sem qualquer pensamento informado, nem sentido de Estado e de missão, nem visão de futuro. As diferentes intervenções que se conhecem continuam a mais não ser do que iniciativas ad hoc, desenquadradas, realizadas a despeito de, sem metas nem objetivos claros e não sujeitas a avaliação.
Ah! E na sexta-feira, lá passou um cinzento e deprimente Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Arttigo transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 8 de maio de 2023.