A imagem diz tudo. O que se pretendia noticiar em direto no canal CM TV, em 15/11/2023, era que se lesse «cães pisteiros», mas a pressa ou o destino ditaram errada e risivelmente «cães pistoleiros», sugerindo um manuseio de armas obviamente discrepante das capacidades motoras dos canídeos.
O esclarecimento do equívoco, que não anda longe das frequentes confusões entre palavras parónimas, é rápido: pistoleiro deriva de pistola e, portanto, significa basicamente «pessoa que fabrica ou vende pistolas» e, sobretudo, «indivíduo portador de pistola, que ataca transeuntes, viajantes, adversários» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa – ACL); nada tem que ver, por conseguinte, com pisteiro, que vem de pista e se entende como «aquele que está habilitado ou que foi treinado para seguir pistas ou rastos» (Infopédia). Os cães em referência eram, portanto, pisteiros, porque seguiam o rasto de uma pessoa desaparecida, como se indicava de modo inquietante e sem engano na legenda.
Em Portugal, a expressão «cão pisteiro» tornou-se praticamente autónoma, pois aplica-se não a qualquer animal da espécie, mas, sim, a um cão especialmente treinado pelas forças da ordem. Acompanhando polícias e militares, forma o que na respetiva gíria se denomina «binómio cinotécnico», locução que convém explicar: é binómio não porque o par homem-cão se dedique à matemática, mas porque o termo binómio, por extensão do seu significado, denota hoje qualquer relação entre dois elementos ou termos; e é cinotécnico, porque o comportamento do cão foi alterado no contexto da cinotecnia, isto é, «[o] estudo do comportamento canino e desenvolvimento de técnicas de reprodução e treinamento de cães de várias raças para desempenho de tarefas específicas, quer civis quer militares» (dicionário da ACL).
Acrescente-se que o vocábulo cinotecnia (ou cinotécnica) é um composto morfológico que associa à forma -tecnia o radical cino-. Este vem do grego kúōn, kunós, «cão, cadela», que remonta à mesma raiz indo-europeia do latim canis, canis, que dá o étimo ao português cão (cf. Dicionário Houaiss). E, atenção, cino- não tem que ver com o radical igualmente grego cine-, deduzido de kínēsis, eōs, «movimento; agitação política». A cinotecnia não é, portanto, nenhuma forma de cinema, nem consegue o prodígio de transformar cães treinados em ágeis pistoleiros.