Em 6 de janeiro celebrou-se o Dia de Reis. Em Portugal, manda a tradição abrir as portas para se ouvirem cantar as janeiras e arrumar as decorações de Natal, que ficam a aguardar por mais um ano. Quer se seja crente ou não, certo é que esta última celebração marca o fim da época natalícia, sendo um ótimo pretexto para refletir em torno da palavra sobre a qual este último festejo gira.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), o termo rei tem como aceção principal «titular ou soberano de um reino», sendo ainda, nos dias de hoje, usado em frases como «Vi passar o rei de Espanha quando estive em Madrid». Pode também ser utilizado com um sentido figurado em situações em que pretendemos expressar que alguém se sobressaiu de forma notória como, por exemplo, quando tencionamos indicar que alguém é imbatível a jogar ténis e uma maneira de o dizer será «ele é o rei do ténis». Outra forma mais original de o fazer poderá ser recorrendo a expressões presentes na língua como, «ele é rei e senhor do ténis» que é como quem diz «ele tem o domínio absoluto sobre os seus adversários no jogo do ténis».
Outra expressão também usada frequentemente com a palavra rei é «sem rei nem roque». Esta descreve tipicamente situações em que alguém ou algo anda à toa ou sem direção, sendo frequentemente usada no contexto político quando um determinado país se encontra em crise, devido ao colapso das instituições do poder político. Contudo, ao nos debruçarmos um pouco mais sobre esta locução, nomeadamente sobre a sua origem, somos levados uma vez mais ao contexto do jogo, só que desta vez do jogo de xadrez. Diz-se que «sem rei nem roque» remonta a este tipo antigo de partida, onde a peça torre era representada por uma carruagem ou carro de guerra (rokh em persa). Sem esta peça, cuja função principal era proteger o rei, um jogador de xadrez fica com a sua margem de manobra bastante reduzida, uma vez que corre o risco de perder o rei e, em xadrez, perder o rei significa perder o jogo. Portanto, ficar sem a torre e sem o rei é o mesmo que ficar perdido.
Já agora, quando caracterizamos alguém que costuma dar ares de importância ou mostrar-se arrogante, é comum afirmamos que essa pessoa traz ou tem «o rei na barriga». Esta expressão remonta ao tempo da monarquia, quando as rainhas grávidas eram tratadas com especial atenção por terem literalmente na sua barriga aquele que bem poderia ser o futuro rei do país. Essa forma de tratamento especial fazia, por vezes, com que algumas figuras da realeza agissem de modo arrogante e pretensioso perante algumas pessoas, o que acabou por fazer com que hoje se entenda «trazer (ou ter) o rei na barriga» como atitude desprezível.
Recordemos, ainda, que, quando se pretende afirmar que não há volta atrás na palavra dada ou que aquilo que se contou não se desdiz, podemos declarar que se trata de «ter palavra de rei». Já quando referimos que determinado indivíduo vive com grande luxo e grandeza, sugerimos que este vive «como um rei». Podemos ainda usar a expressão «rei de si mesmo» quando descrevemos uma certa pessoa cujas ações não dependem de outrem, isto é, que é independente.
Por fim, destacamos ainda a expressão «rei morto, rei posto», que é utilizada em situações em que não pode haver um lugar vago, ou seja, quando o ocupante de determinado lugar fica impossibilitado de o ocupar, este deve ser logo preenchido por outro. Esta expressão tem origem, segundo o Priberam, na expressão francesa «le roi est mort, vive le roi», na medida em que na França monárquica, após a morte do rei, se proclamava o novo monarca com a frase «rei morto, rei posto». Neste sentido, por extensão, esta expressão pode também aludir à ingratidão dos homens que, logo após a queda do seu chefe, o esquecem e procuram outro.
No fundo, este conjunto de expressões constitui um exemplo prático da influência que algumas palavras têm na língua. A palavra rei é disso exemplo, por remeter para figuras que, em tempos, exerceram um grande poder e tiveram grande influência na nossa cultura, deixando a sua marca. Esperemos, no entanto, que, na semana em que se cantam os Reis, possa também haver quem nos cante a esperança de tempos melhores, tal como o menino transmitiu aos três Reis Magos que o foram adorar e presentear.