Entre modismos de diversa proveniência e os chamados socioletos, de antes e depois do advento da internet, das redes sociais e dos "smartphones", uma «enxurrada de novas palavras» nos usos do português coloquial no Brasil – nesta crónica do autor publicada na versão digital da revista Carta Capital de 9 de abril de 2015.
Tinha eu quatorze anos de idade, quando o meu pai começou a implicar com o meu jeito de falar. Ele não entendia o tal do «falou, bicho», já que bicho não fala. Quando eu dizia «é isso ai, amizade», ele me perguntava se eu era mesmo amigo daquela pessoa.
Com a jovem guarda, uma enxurrada de palavras novas começaram a se espalhar pelos quatro cantos do país e cada novidade que eu trazia pra casa era motivo de quase briga.
Ele não entendia o que era «papo furado», tampouco «é uma brasa, mora». Toda vez que eu falava brasa, ele resmungava: Onde é que está quente? Na verdade, eu achava tudo isso um saco.
Essas novidades na língua portuguesa não começaram com Roberto Carlos. São mais velhas que o rei, acredite. O meu pai falava supimpa, por exemplo, e eu nem ligava.
Bom, aí o tempo foi passando, o mundo girando e novas palavras aparecendo. Apareceram as palavras deletar, postar, escanear, digitalizar, essas coisas todas.
Teve a onda do inglês que transformou o estagiário em trainee, o entrega em domicílio em delivery, a liquidação em sale e o retorno em feedback.
Inventaram o pet shop, internet banking e o smartphone.
Minhas filhas quando adolescentes, tive de engolir o mó legal e o sussa. Sem contar o então, depois de qualquer pergunta:
– Que horas são?
– Então...
– Você vai pra praia no final de semana?
– Então...
Mas passou como tudo tende passar, como tudo tem de passar.
Na escrita, já me acostumei com o blz no lugar de beleza, com o vc no lugar de você, abs no lugar de abraços e com o tks no lugar do thank you.
Já me acostumei com as risadas que viraram rs rs rs, hahaha ou hehehe.
O que está me deixando implicado agora, do mesmo jeito que o meu pai implicava com o bicho e a brasa, é o que vem depois do obrigado. Eu sempre falei de nada, mas agora é diferente.
– Obrigado.
– Imagine...
Mas isso não é nada. O pior de tudo é quando você diz obrigado e a pessoa responde:
– Obrigado eu.
Crónica publicada na versão digital da revista Carta Capital de 9 de abril de 2015.