A palavra túnel consolidou-se como a metáfora de serviço desde que a vacina contra a covid-19 se afirmou como uma realidade que terá lugar muito em breve. Não pelo túnel em si, mas por aquilo que se encontra no seu final.
Um túnel é uma galeria ou uma passagem subterrânea que se abre debaixo de um canal, de uma montanha ou de uma estrada, para dar passagem. A apropriação metafórica da palavra concebe a pandemia como uma passagem que se escavou debaixo da vida normal que conhecíamos anteriormente. Quando se chegar ao fundo do túnel, retomar-se-á o caminho interrompido, como se de um desvio se tivesse tratado.
Mas este nosso túnel é diferente porque penoso, pois obriga a andar sem parar, palmilhando cada uma das suas etapas. E todos têm de avançar sempre: alguns acabam por cair e ficam, outros tropeçam e levantam-se arrastando as suas mazelas, outros vão à frente esquecendo quem fica para trás. No túnel como na vida, todos diferentes e pouco iguais.
E o túnel prolonga-se: começou pela descoberta da doença, passou por confinamentos e desconfinamentos, curvas que aumentaram e diminuíram e a humanidade sempre a andar sem parar, numa caminhada que parece interminável.
Agora, há quem afirme que já se vê luz ao fundo do túnel, o que significa que há esperança, que o caminho de Sísifo não é afinal eterno e interminável.
Mas a esperança que esta luz significa não pode ofuscar, porque continuamos no túnel e este continua a exigir que se ande e a sua etapa final poderá ser a mais perigosa.
Por isso, que não se corra cegamente atrás da luz. Há que olhar para o chão e perceber que há muito para andar até que a metáfora do túnel se possa esgotar.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Carla Marques - túnel e luz]
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 13 de dezembro de 2020.