Todos temos a experiência de ter ouvido, pelo menos uma vez, uma história relativa a alguém que passa por uma série de acontecimentos inesperados que podiam ter tido sérias consequências. Isto leva a que digamos que se trada de algo rocambolesco. À primeira vista, o adjetivo rocambolesco pode, para muitos falantes, parecer uma palavra cuja origem se assemelha a tantas outras no português, uma vez que a sua estrutura morfológica em nada faz prever a história curiosa da sua formação.
O termo rocambolesco chegou ao português por via do vocábulo francês rocambolesque, que deriva do antropónimo Rocambole. E quem foi este sujeito? Ora bem, Rocambole, apesar de ser um nome utilizado para designar referentes humanos, não está, neste caso, associado a alguém que tenha realmente existido, pois trata-se de uma personagem literária. Neste sentido, rocambolesco pode ser entendido como «relativo às aventuras de Rocambole, personagem dos livros de P. Ponson du Terrail, escritor francês do século XIX» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa – DLPACL). Por conseguinte, Rocambole é o protagonista de uma série de romances designada por Dramas de Paris e que narra a forma engenhosa como esta personagem se safa de um conjunto de peripécias. A sua popularidade foi tal que o conceito de algo «cheio de imprevistos e/ou peripécias inverosímeis» (Infopédia) extrapolou as páginas dos livros e ficou até aos dias de hoje na língua. Mas será esta a única personagem literária que deu origem a adjetivos que descrevem as suas principais características?
O famoso D. Quixote, personagem do romance Dom Quixote de la Mancha, de Miguel Cervantes, dá igualmente origem a um adjetivo, no caso quixotesco, que serve para caracterizar alguém que, à semelhança de D. Quixote, é «fanfarrão; que se mostra pretensioso, ridículo» ou «que revela ingenuidade; que se mostra exageradamente sonhador» (DLPACL). Tal como acontece com a palavra rocambolesco, o termo quixotesco deriva da junção do antropónimo Quixote com o sufixo -esco. Este constituinte morfológico é usado, no português, para acrescentar à estrutura de uma palavra o significado de «noção de qualidade» (DLPACL).
Portanto, casos como estes mostram que certos vocábulos podem ser o reflexo dos universos que criamos e da arte, tal como a literatura, tendo sempre por base a forma como nos comportamos e movimentamos na sociedade.
N. E. (24/11/2024) – O consultor João Nogueira da Costa entendeu enviar o seguinte comentário, que muito se agradece: «Outros dois exemplos que me ocorreram de personagens literárias que deram origem a adjetivos que descrevem as suas principais características: pantagruélico – próprio do gigante Pantagruel, personagem glutona e insaciável da obra Pantagruel do escritor francês François Rabelais (séc. XVI): “um banquete pantagruélico”; mefistofélico – relativo a Mefistófeles, personagem demoníaca, cínica e pérfida que figura em lendas germânicas e na obra Fausto do escritor alemão Goethe (1749-1832): “um caráter mefistofélico”.»