«Secalhar derrepente né concerteza benvindo a este texto.»
Em muitos dias iguais a este, somos confrontados com grafias desta natureza que levantam a dúvida: junto ou separado? mas, afinal, como se escreve(m) esta(s) palavra(s)?
Quantas vezes não chegamos a uma simpática localidade, que nos recebe com um bem visível «Seja benvindo» registado a negrito, tamanho gigante, na placa que marca o início do território. Digamos que, para primeira impressão, a situação é embaraçosa porque estamos a ser recebidos com um atropelo ortográfico. Aqueles que acreditam em teorias da conspiração teriam aqui um fenómeno fértil para dissertar. Os equívocos são fáceis de desfazer: um simples «Bem-vindo», com hífen, estabelece a correção. Deixemos o Benvindo para nome de alguém que queira ser sempre uma visita feliz.
De facto, a ortografia da língua portuguesa pode gerar perplexidades, nomeadamente no momento de decidir se aquela palavra se escreve de uma só vez ou se, de facto, estamos perante duas palavras que se grafam, portanto, separadamente. E não, estas dúvidas não estão relacionadas com o Acordo Ortográfico! O maior problema parece residir no facto de na oralidade se verificar uma tendência para aglutinar os sons, sem qualquer preocupação com as margens que delimitam as palavras no sistema escrito. Ora, quando os falantes transferem o que dizem e o modo como o dizem para a forma escrita, as hesitações ou as incorreções podem surgir.
Este fenómeno justificará também o aparecimento de uma forma como “concerteza”, que, na verdade, não existe. A expressão correta é «com certeza», uma locução adverbial que exprime o grau de certeza do locutor relativamente ao que afirma. Podemos identificar situações semelhantes com a grafia da locução adverbial «em baixo», que, em português europeu, não pode escrever-se “embaixo”. Ressalve-se, porém, que o português do Brasil admite esta aglutinação, usada com o valor de «numa posição inferior» ou «que está fora de funcionamento». Atração irresistível está patente também nas formas “derrepente” e “agente”. A primeira é um erro. Existe, sim, a forma «de repente». Já a segunda, só existe quando refere alguém que executa uma dada ação ou que trabalha para as forças da ordem. Se a intenção for referir um «conjunto de pessoas», a grafia correta será «a gente», duas palavras bem separadas. E não esqueçamos o “secalhar”, que, embora se pronuncie de quase um só sopro, tem de grafar-se com um espaço em branco entre se e calhar.
Traiçoeira, afinal, não é a ortografia, é a oralidade, que tanto nos engana e confunde. Por isso, neste caso, o conselho justo não é «cuidado com o que dizes», mas «cuidado como dizes»!