Recordo-me que, quando me casei, a senhora do registo civil ter referido que eu estava a contrair casamento. E de facto, a expressão «contrair casamento» parece não causar estranheza, por estar enraizada no discurso quotidiano, nas redes sociais, ou mesmo nas trocas de mensagens por Whatsapp. Mas, não será suspeito o facto de o casamento se contrair, à semelhança das doenças?
Não é!
Contrair, proveniente do latim contrahĕre, é daqueles verbos subtis, que tanto pode ser utilizado num contexto menos bom como num contexto de felicidade. De facto, este verbo pode ser empregado em expressões que descrevem eventos completamente distintos.
Por um lado, temos «contrair doença» que descreve o ato de se «ser afetado por, acometido por (um mal, uma doença)»1. A ideia por trás dessa expressão está intrinsecamente associada a uma situação negativa e preocupante, uma vez que a doença pode afetar o bem-estar e a qualidade de vida de uma pessoa. Por outro lado, ocorre «contrair matrimónio», em que contrair se refere ao ato de «criar, estabelecer determinados laços, relações de amizade»2. Aqui, por falarmos de uma celebração de amor e compromisso entre duas pessoas, a expressão já se encontra relacionada a um contexto positivo, onde se promove a felicidade. Falamos, então, de duas expressões que contêm o verbo contrair, mas que são usadas em contextos totalmente diferentes e evocam significados opostos.
Não esqueçamos, ainda, que este verbo também se associa a outras expressões, também elas com significados distintos dos apresentados, nomeadamente: «contrair dívidas», aqui, com a aceção de «tomar sobre si determinado encargo, obrigação, responsabilidade»2; e «contrair hábitos», ou seja, «vir a ter; adquirir»1; entre outras.
Entende-se, assim, que contrair é um verbo bastante versátil e que pode adquirir várias nuances de significado em função do contexto em que é utilizado.
2 Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa