«Os professores e professoras têm noção clara de que os alunos recorrem a chatbots como o ChatGPT para realizar atividades de escrita.»
Ensinar a escrever e a ler, a falar e a pensar a língua são ofícios-base de qualquer professor(a) de português. A sua ação em sala de aula tem sempre em mente o desenho de um percurso que conduzirá o aluno a aperfeiçoar as suas competências, considerando tanto a especificidade da disciplina quanto a sua transversalidade. Todavia, neste final do primeiro quartel do século XXI, qualquer professor(a) de português se vê confrontado com um novo desafio relacionado com o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA).
Na sequência da afirmação gradual de todas as potencialidades da IA, em particular, a conceção tradicional de escrita terá de ser repensada e reajustada a novas realidades que, de algum tempo a esta parte, começaram a ocupar o seu espaço em sala de aula, sobretudo por via das novas atitudes dos alunos relativamente à escrita e, em particular, às atividades desenvolvidas em casa, associadas ao aparecimento de inúmeros textos produzidos por IA.
A didática da escrita convoca, no atual momento, uma profunda reflexão sobre os caminhos que importa trilhar. Entre aqueles que defendem que tudo se deve manter inalterado e aqueles que anunciam o fim do ensino da escrita, não pode haver lugar à indiferença. Os professores e professoras têm noção clara de que os alunos recorrem a chatbots como o ChatGPT para realizar atividades de escrita. Sabem também que a IA está a evoluir a uma rapidez incrível, pelo que é cada vez mais difícil comprovar que um texto foi escrito com a ajuda desta ferramenta ou mesmo integralmente feito por ela. Este facto tem claras implicações no desenvolvimento (ou na estagnação) das competências que se crê serem fundamentais para os alunos, pelo que não é viável continuar a planificar atividades letivas como se a IA não existisse.
É chegado o momento de refletir sobre os novos caminhos que a escola poderá seguir neste âmbito. Parece certo que o melhor será integrar as possibilidades que a IA oferece para a associar ao desenvolvimento da competência da escrita dos alunos. Em várias instituições do ensino superior assistimos já a ensaios que visam ajudar os estudantes a aprender a investigar e a escrever com IA. Esta será também uma janela de oportunidade que o ensino não superior poderá começar a explorar, desenvolvendo com os alunos caminhos que conduzam à otimização das possibilidades da IA como ferramenta de apoio à escrita. Será assim possível recorrer à IA como, por exemplo, ferramenta de brainstorming que, com as prompts [instrução, indicação, comando] ajustadas, poderá ajudar a pensar num dado assunto e a compreender de modo mais detalhado determinados aspetos do tema a tratar, numa perspetiva de posicionamento crítico ou de recolha de informação. A IA pode também ser um apoio à planificação, permitindo ao aluno introduzir informação que pretende usar no texto e ajudando-o a otimizar a organização do texto. A IA pode igualmente funcionar como plataforma de apoio à produção / aperfeiçoamento de frases ou de parágrafos do texto, por meio da verificação lexical, apresentação de sinónimos ou otimização da sintaxe, estando apetrechada para, em parceria, ajudar os alunos a reverem o seu texto.
Estas possibilidades abrem todo um novo espaço para a inovação em didática. Exigem, porém, que a escola desenvolva os seus conhecimentos em IA e os otimize ao serviço do ensino da escrita. Este será o caminho para uma relação mais construtiva com a IA, uma relação que exige ao aluno não só que saiba como dialogar com a IA, executando pedidos mais pertinentes, como também que desenvolva um posicionamento crítico relativamente à utilização que poderá fazer da IA, sem que esta interação o reduza a uma passividade acrítica.
Qualquer proposta de inovação que contemple a IA pede ainda que o seu desenvolvimento tenha lugar em sala de aula, com o acompanhamento dos docentes, pois estes serão tutores que permitirão ao aluno ir muito além do «pedir ao ChatGPT que escreva um texto». Os desafios são inúmeros e o terreno a explorar é, em muitas áreas, desconhecido, mas está nas mãos de cada professor(a) de português a possibilidade de fazer diferente e melhor. A bem da aprendizagem e dos alunos!
Fonte da imagem: "Get Schooled by AI: Use Cases of Chatbots for Education", Acquire, 03/06/2020.
Texto publicado como editorial do n.º 22 (2025) do Boletim dos Sócios da Associação de Professores de Português e aqui divulgado com a devida vénia.