«Castenhol»: diz-se castelhano ou espanhol? - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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«Castenhol»: diz-se castelhano ou espanhol?
«Castenhol»: diz-se castelhano ou espanhol?
Dois nomes, a mesma língua

« (...) A solução para as palavras castelhano e espanhol? Mais do que vocábulos irmãos, Inês Fernández-Ordóñez chama-lhes sinónimos.. (...) »


Real Academia Espanhola (RAE) vela pelo espanhol, e a Constituição espanhola entroniza o castelhano. O jornal El País questiona filólogos e escritores sobre diferentes perspetivas a respeito do nome da língua.

Espanhol ou castelhano? Em tempos em que a identidade é o grande vetor que atravessa todos os debates políticos e culturais, o nome da língua falada por mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo não está livre de disputas. A Constituição espanhola define o castelhano como a língua oficial do Estado (espanhol), que todos têm o direito de usar e o dever de conhecer. As ocorrências das duas denominações ficam empatadas nas constituições ou leis da América Latina que consignam a questão. A Fundéu considera preferível usar castelhano quando se refere a língua usada em Espanha para diferenciá-la de outras como o catalão, o galego ou o basco, igualmente espanholas, e espanhol, quando falamos de todas as comunidades de língua espanhola. Na mesma linha, o Livro de Estilo do El País defende castelhano para pôr o idioma a par de outras línguas espanholas e espanhol em todos os outros casos. E a RAE, autoridade máxima no assunto, zela pela língua espanhola.

Até aqui, é este o quadro, por assim dizer, institucional.

A denominação, no entanto, gera polémica e atrito em vários planos de conflito, dependendo das sensibilidades. A designação espanhol em comunidades onde esta língua coexiste com a regional não encontra adeptos. E empregar este nome na América Latina é interpretado por alguns como um tique colonialista quando existe o termo castelhano. A filóloga Lola Pons reabriu o debate ao declarar, em entrevista a El País em 08/12/2022, que prefere dizer espanhol e deixar castelhano para a literatura escrita até ao século XVI. Esta especialista afirmou que a língua espanhola não é apenas uma evolução do castelhano, mas incorporou elementos de todos os lugares. Com base nestas ideias, El País fez perguntas a escritores e filólogos de uma ampla área geográfica, e as respostas confirmam as diferentes perceções relativas a ambas as denominações. Felizmente, existe uma solução. Vamos por partes.

O escritor basco Bernardo Atxaga, por exemplo, declara que nunca diz espanhol nem diz supérstite («supérstite, sobrevivente»). Diz antes castelhano ou superviviente («sobrevivente»). «Para mim é mais fácil, só isso», e brinca: «Por outro lado, não podemos ter esse gesto feio com Castela. Já chega a falta de investimento público, pelo que não vamos agora também questionar a legitimidade do batismo que, pelo menos por uma vez, teve em conta o seu território.»

A professora de literatura galega da Universidade de Santiago Dolores Vilavedra considera que castelhano implica «o reconhecimento tácito da existência de outras línguas espanholas. O seu uso é, portanto, mais inclusivo e respeitoso para com a diversidade». E lembra que o termo castelhano era comum até à ditadura de Primo de Rivera, quando a RAE, que publicava uma gramática da língua castelhana sem problemas desde 1771, «mudou para o rótulo espanhol, mais nacionalista». Albert Branchadell, professor de Filologia Catalã na Universidade Autónoma de Barcelona, também alude a uma motivação política por trás do uso dos termos, já que o regime de Franco, diz ele, difundiu o lema «Se és espanhol, fala espanhol», e não «se és espanhol, fala castelhano». Além disso, a nível histórico, «o castelhano como língua é muito anterior à existência de Espanha como Estado ou como conceito político». Além dessas considerações, Branchadell insiste na adequação de espanhol no âmbito internacional e académico, onde as universidades criam departamentos de Filologia Espanhola, e não “castelhana”.

 

Uma língua enriquecida com contributos

de outros países

 

A académica Inés Fernández-Ordóñez, grande conhecedora do filólogo Ramón Menéndez Pidal (1869-1968), académico que promoveu a substituição do uso de castelhano pelo de espanhol na década de 20 do século passado, nega, no entanto, a motivação política dessa mudança. «Menéndez Pidal justificou perfeitamente esta opção nos seus escritos porque o termo castelhano se tornava muito limitado, quando na verdade tinha incorporado muitos elementos de diferentes lugares», diz Fernández-Ordóñez. «E ele próprio escreveu uma Carta ao ditador, na qual se opunha a Primo de Rivera e o criticava abertamente.»

A verdade é que o significado de castelhano era limitado para nomear uma língua que fora enriquecida com outros contributos e que, noutros países, tanto da Europa como da América Latina, já se chamava espanhol. E foi a «pressão dos nacionalismos periféricos», argumenta Fernández-Ordóñez, que promoveu o nome castelhano tanto na Constituição republicana de 1931 como na atual, de 1978.

Esta académica define muito bem a perceção que ambas as palavras suscitam, conforme o lugar onde são pronunciadas: em áreas espanholas monolingues, espanhol é considerado um «nome mais abrangente, pois acomoda variedades dialetais de diferentes origens que contribuíram para a constituição do idioma; e nessas áreas o termo castelhano é geralmente identificado com a língua de Castela, mas não necessariamente com a de Aragão ou Andaluzia»; em áreas bilingues, pelo contrário, o termo é interpretado como «uma metonímia abusiva», já que as línguas regionais também são espanholas. Na América, tudo muda: «No Cone Sul chama-se castelhano, e rejeita-se espanhol porque parece ser assim que se fala em Espanha. No México, pelo contrário, espanhol é o nome com o qual os falantes se identificam, e castelhano evoca o reino de Castela e os conquistadores, pelo que não desperta simpatias», afirma a académica da RAE.

No último Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Córdoba (Argentina) em 2019, o argentino Mempo Giardineli defendeu o «castelhano da América» e Claudia Piñeiro (também argentina) sugeriu que o próximo congresso se chamasse «da língua hispano-americana» em vez de «da língua espanhola». O próximo congresso será realizado em Cádis em 2023, após ter sido transferido do local inicialmente escolhido, Arequipa, no Peru, devido à instabilidade neste país, mas fontes da RAE negam que tenha chegado qualquer iniciativa formal ou debate em nível institucional. «Nesse congresso insistimos que se chegasse a um termo que incluísse outros espaços onde se fala a língua, especialmente a América Latina, que é, por outro lado, onde a língua se espalhou pelo mundo graças à imigração e se tornou uma das mais faladas no mundo. Enquanto isso não acontecer», reflete agora Piñeiro, «chamo-lhe castelhano». O assunto, no entanto, não teve êxito. «Nunca ouvimos em Córdoba propostas sérias para mudar o nome de espanhol para qualquer outro. Nenhuma academia ou instituição o fez», dizem fontes da RAE. «Entre os linguistas, é comum referir-se o espanhol ou o castelhano da América para destacar as peculiaridades fonéticas e lexicais que apresenta este espanhol. E a defesa da diversidade da língua é um dos objetivos centrais da Associação de Academias da Língua Espanhola

O mexicano Jorge Volpi sente-se à vontade com espanhol e reconhece que existem diferentes espanhóis, nacionais e regionais. «Eu diria até variedades individuais, que é onde reside a sua riqueza.» Vale a pena procurar uma denominação mais inclusiva? «Não vejo necessidade: cada falante pode escolher a que mais o convença.» O colombiano Héctor Abad Faciolince acredita que foi precisamente o salto do castelhano para a América que o tornou espanhol: «Das várias línguas peninsulares, foi a que aqui prevaleceu mesmo entre galegos, asturianos, catalães e bascos. Do ponto de vista americano (internacional) é mais normal chamá-lo espanhol, assim como internacionalmente o italiano é conhecido como italiano e só internamente se sabe que, para ser mais preciso, é toscano.»

O diretor do Instituto Cervantes, Luis García Montero, reconhece que como filólogo prefere espanhol «porque a língua não nasceu em Castela, mas, sim, numa região onde coexistiam diferentes línguas da península». Nas Glosas Emilianenses, observa, também há palavras em basco. «Tratava-se da evolução do latim no contexto da convivência entre pessoas que precisavam de se entender com os vizinhos, pessoas que caminhavam entre o latim, o basco, o asturiano, o galego e o catalão.» Obviamente que usa os dois termos, garante. «São palavras irmãs, embora haja pessoas suscetíveis em qualquer família.»

Novamente questionada, Lola Pons comenta: «Falo espanhol andaluz, e a minha maneira de falar não se reflete no venerável (e também explorado politicamente) termo castelhano. Quando esse castelhano saiu de Castela, absorveu formas gramaticais, fonéticas e lexicais das zonas laterais e meridionais. Fala-se de espanhol atlântico ou meridional para nomear aquilo que nos une, andaluzes e americanos; é uma expressão comum na bibliografia científica, mas não é um glotónimo socialmente corrente.»

A solução para as palavras castelhano e espanhol? Mais do que vocábulos irmãos, Inês Fernández-Ordóñez chama-lhes sinónimos. «A tolerância deve prevalecer, e que cada falante escolha o que preferir. Não vejo sentido nenhum em mudar o nome do idioma, que está cheio de sinónimos. Teríamos de os excluir em todos os casos? Além disso, as mudanças linguísticas não acontecem por decreto. Não há instituição ou grupo capaz de mudar o nome com que os falantes se referem a uma realidade. Se alguém quiser promover uma mudança assim, que avance. Mas, quanto a isso, sou cética.»

 

CfAfinal, diz-se “espanhol” ou “castelhano”?

Fonte

Tradução de um trabalho publicado em 9 de janeiro no jornal El País.

Sobre o autor

Jornalista do jornal espanhol El País. Escreve na secção de cultura, é colunista na secção de opinião e analista no programa Hoy por Hoy, da Cadeia SER, além de responsável pela newsletter de El País da manhã. Foi enviada em zonas de conflito, correspondente em Moscovo e subdiretora de várias secções do jornal. Ganhou o Prémio Dashiell Hammett por El sueño de la razón e o seu último livro é Goya en el país de los garrotazos.