«(...) A possibilidade de ocorrer uma espécie de uberização do ensino, por via da flexibilidade e comodidade digital para docentes e alunos, é algo que pode constituir um risco ou uma oportunidade consoante as entidades de ensino, e as universidades em particular, se posicionem nesse novo espaço físico-digital. (...)»
As medidas de confinamento impostas pela covid-19 [em Portugal] vieram sublinhar a importância das ferramentas digitais e, mais do que isso, evidenciar a necessidade de empreender transformações digitais aos processos e aos negócios, de modo a assegurar a própria subsistência de muitas organizações.
No ensino, o modelo tradicional baseado numa sala de aula onde se debitam palestras tem sido empreguado há alguns séculos. As limitações físicas do confinamento vieram, afinal, mostrar que rapidamente e de forma eficaz se pode transitar desse sistema presencial para outro, de ensino à distância, através do recurso a ferramentas de comunicação remota que já se encontravam plenamente disponíveis para serem utilizadas com este fim.
Esta pode ser uma história de sucesso do confinamento, em que foi aproveitada uma oportunidade para acelerar transições digitais que já vinham sendo anunciadas – a oferta formativa virtual não é novidade e muitas escolas, como o Instituto Superior Técnico, contemplavam já alguns cursos em formato digital antes do período pandémico. Não será, portanto, de estranhar que na esteira desta pandemia haja uma transição mais acentuada das aulas teóricas, muito expositivas, de um auditório real para uma sala virtual, com os benefícios agora evidentes. Por outro lado, haverá efeitos destes modelos de trabalho remoto nos docentes e na aquisição de conhecimento e competências pelos alunos, que ainda não são totalmente claros.
A dimensão total do impacto da pandemia nos “modelos de negócio” das universidades é ainda desconhecida. Tal como é também a da inevitável transformação digital desses mesmos modelos. A duração final da pandemia poderá determinar a maior ou menor aceleração dessa transformação digital. Mas, esta transformação precede a existência do vírus e não lhe ficará refém. O impacto pode ser de tal ordem que obrigue mesmo a repensar a proposta de valor das escolas. A possibilidade de ocorrer uma espécie de uberização do ensino, por via da flexibilidade e comodidade digital para docentes e alunos, é algo que pode constituir um risco ou uma oportunidade consoante as entidades de ensino, e as universidades em particular, se posicionem nesse novo espaço físico-digital.
A verdade é que a experiência presencial, nas universidades, é em muitos casos insubstituível. Quer em diferentes componentes letivas (aulas experimentais, por exemplo), quer em diferentes aspetos da vida académica. E, em particular, nas atividades de investigação científica que permitem à maioria das Universidades cumprir plenamente a sua missão perante os alunos e perante a sociedade (como, aliás, a pandemia veio também evidenciar).
Assim, não me parece que o papel principal das universidades deva ser o de nos transportar em trajetos curtos e com destinos muito imediatos. Mas, sim, o de continuar a possibilitar longas viagens, que por vezes serão monótonas e contemplativas, e outras vezes serão vibrantes e inesquecíveis.