Do consulente Paulo Medeiros, recebemos um comentário que contesta o texto «Não faz sentido», da autoria de Ana Martins, original de um crónica publicada no semanário "Sol", disponível na rubrica Pelourinho de 11 de janeiro de 2009. Passamos a transcrever:
«Ao procurar, em vão, alguma explicação sobre a expressão "não me faz sentido" (que sempre me pareceu estranha pois sempre tive como alternativa correta "não faz sentido para mim"), deparei-me com uma resposta da Dra. Ana Martins sobre a expressão "Não faz sentido" (11 de janeiro de 2009) que me deixou atónito.
Correndo o risco de ser arrogante, pois o meu conhecimento da língua é ínfimo comparado com o da autora, deixo aqui a minha discordância à sua tese.
Diz Ana Martins que "não faz sentido" a par de "não tem lógica" e de "não bate certo", é um mero bordão ou muleta sem cabimento na língua escrita, uma expressão «(…) completamente vazia e, por isso, tanto se presta a defender como a refutar um argumento, seja ele de que natureza for.» e mais, afirma que quem a usa é um autocrata com o propósito de calar o interlocutor. Se vamos considerar que esta expressão é assim tão acutilante, então a maioria dos argumentos visam calar o interlocutor ao procurar fazer vingar as próprias ideias e vivemos por isso num mundo de autocratas (soberano ou indivíduo que exerce o poder absoluto).
Esta opinião, desacompanhada de uma justificação que a sustente, parece-me inadequada e de tal forma exagerada que indicia uma embirração pessoal da autora.
A argumentação da autora é que é muito duvidosa – a expressão não refuta argumentos independentemente da sua natureza, como é afirmado, mas tão -somente aqueles que serão de natureza ilógica.
Parece-me que o papel desta expressão na língua vai muito além do mero bordão – ela é usada para explicar que algo parece estar à margem dos limites do senso comum, ou que é desconcertante face aos parâmetros básicos da lógica generalizada.
Por exemplo a frase "não faz sentido pagar mais por um produto de qualidade inferior" ou "não faz sentido ires a correr se podes apanhar o metropolitano" não resultam sem a expressão "não faz sentido". Podem por isso ser frases válidas para defender um ponto de vista, mesmo que seja do mais elementar senso comum. Ou deixou de ser aceitável dizer coisas óbvias?
Também Carlos Rocha, no artigo «Ter sentido», «fazer sentido» defende a ideia de que é um bordão e não um argumento.
Pergunto: desde quando o enquadramento lógico deixou de ser algo substancial para os humanos? As nossas sociedades não se organizam, cada vez mais, segundo a análise e valorização dos processos lógicos, que por sua vez influenciam, em larga medida, os valores vigentes? A expressão afirma que algo não cumpre parâmetros instituídos na sociedade – isso não é um argumento possível? E mesmo não o sendo, na língua tudo o que não é um argumento passa a estatuto de muleta?»
Uso argumentativo vs. uso não argumentativo
Segue-se a réplica da nossa consultora Ana Martins:
«O texto em referência não é uma resposta, mas a reprodução de uma crónica [in semanário Sol de 10 de janeiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz]. Uma resposta publicada no consultório Ciberdúvidas faz uma revisão, exploração ou explicitação do que é exposto na bibliografia de especialidade sobre um dado tópico; numa crónica jornalística, o autor pode ajuizar, avaliar, condenar práticas linguísticas e especular sobre a razão dessas práticas.
Devemos distinguir, pois, entre um (pretenso) uso argumentativo e um uso não argumentativo da expressão «não faz sentido».
- Uso não argumentativo:
a) O que estás a dizer não faz sentido. Estás bêbedo?
«Não faz sentido» significa «o que é dito é ininteligível».
- Falso uso argumentativo:
b) As salas de aula devem ter as mesas dispostas em U, pois é o que faz sentido.
c) As salas de aula não devem ter as mesas dispostas em U, pois não faz sentido.
Como facilmente se depreende dos exemplos b) e c), «Faz/não faz sentido» não pode ser argumento, pois permite validar conclusões contrárias.
- Encadeamentos argumentativos são:
b’) As salas de aula devem ter as mesas dispostas em U (=CONCLUSÃO), pois assim todos dialogam melhor. (=ARGUMENTO)
[PRESSUPOSTO: O diálogo em sala de aula é fundamental.]
c’) As salas de aula não devem ter as mesas dispostas em U (= CONCLUSÃO), pois assim os alunos podem copiar (=ARGUMENTO).
[PRESSUPOSTO: Copiar nos testes é prejudicial.]»