O que são muletas ou bordões linguísticos e para que servem? Resposta na crónica semanal do Ver Como Se Diz, do semanário Sol.
«É certo que tenho raiva, sabendo que a língua portuguesa não é manca, nem aleijada, ver que a façam andar em muletas os que a haviam de tratar melhor.» (Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia, 1619).
As muletas ou bordões de língua são palavras ou expressões que, de tão usadas, deixaram de ter um sentido específico, tendo perdido pertinência comunicativa. As muletas partilham com os modismos o facto de serem efémeras e estarem acantonadas a um determinado período de tempo, de duração variável.
Na fala espontânea, os bordões são toleráveis: cobrem hesitações e imprecisões inerentes à tensão que sempre existe numa conversa face a face. Mas no discurso escrito ou no discurso oral oficial o recurso à muleta revela amadorismo, preguiça ou outras coisas piores…
Veja-se a muleta do «não tem/faz sentido»:
«Amado defendeu que "não faz sentido" a UE ponderar sequer o envio de forças [para o Congo], pois tal seria "complicar ainda mais (…)"», (Rádio Renascença 8/12/08);
«Não faz sentido que as pessoas procurem os serviços de urgência nesta situação [de gripe]» (Mário Carreira, Direcção-Geral da Saúde, in Público 28/12/08 );
«É preciso criar condições para acabar com os períodos nocturnos, porque não têm sentido para existir.» (Ana Jorge, ministra da Saúde, in Expresso 29/11/08).
A expressão «não faz sentido», a par de outras equivalentes como «não tem lógica», «não bate certo», é completamente vazia e, por isso, tanto se presta a defender como a refutar um argumento, seja ele de que natureza for. Por outro lado, porque se apresenta escorada no mais sólido bom senso, tem o efeito de fazer calar o interlocutor.
Ora este é um traço típico dos autocratas.
Artigo publicado no semanário Sol de 10 de Janeiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz.