O jornalista Nuno Pacheco lembra que, em Portugal, se distingue andamos (presente do indicativo) de andámos (pretérito perfeito do indicativo), e observa: «O andamos, em Portugal, quer dizer que ainda andam; já o andámos remete, de imediato, para um passado indefinido: podem ter andado juntos há meses ou até há anos, mas não andarão juntos agora. A abolição impensada do sinal diacrítico (o acento) cria uma confusão escusada entre passado e presente e troca a clareza pela ambiguidade.» Apontamento transcrito da edição de 30/09/2016 do jornal "Público" – a que juntámos um esclarecimento final sobre esta particularidade regional da pronúncia das citadas formas verbais, em Portugal.
Por distracção ou moda, talvez influenciada pelo manusear constante das teclas de telemóveis e similares, anda muita gente a esquecer-se de acentuar palavras: pais e país cada vez mais se confundem, já se vê historia por história e a política raramente surge acentuada, talvez porque, sobrando-lhe assentos – dos outros, como é bom de ver –, dispense o clássico acento agudo. Mas há um acento em particular cuja omissão pode ter a ver com a norma brasileira que por aqui se vai adoptando sem rigor nem critério. No Brasil, quando se diz (e escreve) falamos, cantamos, andamos, gravamos, etc, tudo isso se refere ao passado. E a pronúncia segue de perto a grafia, porque dizem fálâmos, cántâmos, ándâmos, grávâmos. A confusão desta 1.ª pessoa do plural do Pretérito Perfeito com a 1.ª pessoa do plural do Presente do Indicativo é remota porque um brasileiro dirá, preferencialmente, estamos falando, estamos gravando, etc. Já um português fica às aranhas quando lhe baralham tais termos [1]. Imaginem uma mulher a apresentar o ex-namorado ao actual, dizendo: “Nós andamos juntos”. Para um brasileiro isto seria natural. Mas para um português falta ali qualquer coisinha... O andamos, em Portugal, quer dizer que ainda andam; já o andámos remete, de imediato, para um passado indefinido: podem ter andado juntos há meses ou até há anos, mas não andarão juntos agora. A abolição impensada do sinal diacrítico (o acento) cria uma confusão escusada entre passado e presente e troca a clareza pela ambiguidade. Já agora, até o nefasto “acordo ortográfico” de 1990, na sua Base IX, diz que se assinala “obrigatoriamente” com acento circunflexo a palavra “pôde (3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo)” de modo a distingui-la “da correspondente forma do presente do indicativo (pode).” Isto embora imponha o contrário a “para” e “pára” [2], mas será demasiado pedir coerência a tal palimpsesto. Por isso já sabem: para evitar dúvidas, usem o acento. Como diz o outro, vão ver que não custa nada.
[1] N. E. – De facto, distinguem-se as duas formas no português de Portugal escrito, mas já não é exato supor-se sempre a diferença fonética correspondente. Na verdade, há variação regional, e são muitos os falantes de português de Portugal que pronunciam as duas formas verbais da mesma maneira – seja com o a tónico fechado, como na 1.ª pessoa do plural do do presente do indicativo (andamos, cantamos, falamos, passamos, etc.), seja com o a tónico aberto, como na 1.ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo (andámos, cantámos, falámos, passámos, etc). Sobre este assunto, além da Abertura Sobre o a aberto e fechado na variedade do português, em Portugal, consultem-se as respostas e artigos indicados em Textos Relacionados (à direita).
[2] N. E. – Sobre a supressão do acento gráfico em para (á), flexão de parar, convém reler o que, sobre o critério desta mudança, diz a Nota Explicativa ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa: «[Suprime-se o acento] [e]m primeiro lugar, por coerência com abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n.º 5765, de 18 de Dezembro de 1971, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc.; em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintáctico permite distinguir claramente tais homógrafas.»
Jornal Público, em 30/09/2016.