Antologia // Portugal Língua literária artificial e língua literária sincera Uma língua, considerada no conjunto das suas palavras, pode, segundo o espírito que sobre ela e com ela trabalha, apresentar-se-nos sob dois aspectos - que definirei por meio de uma comparação. Ou é, através de páginas frias, uma coisa descolorida e pálida como um herbário, onde se dispõem plantas mortas, secas e sem perfume; ou estremece e canta como um prado onde o sol bate verdejantes, pletóricos vegetais, escorrendo seiva. Manuel da Silva Gaio · 10 de dezembro de 1998 · 3K
Antologia // Brasil Na floresta da água negra Para que eu te traduza a majestade rude,Mas de uma forma tal, precisa e manifesta,Que demonstre o poder da tua juventude,A que hei-de exactamente igualar-te, ó floresta?Só posso comparar-te à língua portuguesa:Porque ela é que possui os tesouros da tuaBasta, e brava, e brutal, e bárbara beleza,Que a língua mãe, na terra virgem, perpetua! Martins Fontes · 3 de dezembro de 1998 · 3K
Antologia // Brasil O português histórico Distingo no português histórico dous períodos principais: o português antigo, que se escreveu até os primeiros anos do século XVI, e o português moderno. A esta segunda fase pertencem já a Crónica de Clarimundo (l520), de João de Barros, as obras de Sã de Miranda, escritas entre 1526 e 1558, as de António Ferreira, a Crónica de Palmeirim de Inglaterra e outros trabalhos literários produzidos por meados do século. Robustecida e enriquecida de expressões novas, a linguagem usada nas crónicas desta... Manuel Said Ali · 26 de novembro de 1998 · 5K
Antologia // Portugal A língua nacional na escola secundária Entre todas as disciplinas (do quadro dos estudos secundários) a língua materna foi a que primeiro entrou ao uso do aluno; a que ele começou a adquirir nos primeiros tempos da infância; a que lhe prestou grande serviço antes da escola e o continuará a prestar depois dela. Jaime Moniz · 19 de novembro de 1998 · 4K
Antologia // Portugal Ensinem os poetas aos meninos Acontece quase sempre que, tendo adquirido nas aulas e liceus, nas academias e escolas superiores, mui avultados conhecimentos das línguas estranhas, antigas e modernas, achamo-nos por extremo pobres dos conhecimentos da nossa, que falamos só por a ouvir falar, e talvez com os erros vulgares a que não atendemos, ou que porventura defendemos só porque os bebemos com o leite, e ninguém deles nos advertiu. José Inácio Roquete · 12 de novembro de 1998 · 4K
Antologia // Portugal A sombra das palavras Coimbra, 7 de Julho. As palavras renascem. Folhas de clorofila humana, Brotam, crescem, Murcham, desaparecem, Mas renascem. Que frescura teria a caravana, A caminho da morte ou do nirvana, Se os poetas cantassem! Coimbra, 14 de Julho— Chegou meu pai. Mandei-o vir espairecer. Lépido e seco, com os seus oitenta e tal, desembarcou na estação com os olhos azuis ávidos... Miguel Torga · 6 de novembro de 1998 · 5K
Antologia // Portugal As palavras Léxico «A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.» José Saramago (1922 — 2010) publicou esta crónica dos seus tempos de jornalista no vespertino A Capital, em livro lançado, em 1971, sob a chancela da Editorial Arcádia. José Saramago · 29 de outubro de 1998 · 13K
Antologia // Portugal A linguagem e o povo Esta nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprezo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» Que faria se ele a... Júlio Brandão · 22 de outubro de 1998 · 5K
Antologia // Brasil Poética Estou farto do lirismo comedidoDo lirismo bem comportadoDo lirismo funcionário público com livro de ponto expedienteprotocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionárioo cunho vernáculo de um vocábulo.Abaixo os puristasTodas as palavras sobretudo os barbarismos universaisTodas as construções sobretudo as sintaxes de exceçãoTodos os ritmos sobretudo os inumeráveisEstou farto do lirismo namor... Manuel Bandeira · 15 de outubro de 1998 · 4K
Antologia // Brasil Escola de bem-te-vis Muita gente já não acredita que existam pássaros, a não ser em gravuras ou empalhados nos museus – o que é perfeitamente natural, dado o novo aspecto da terra, que, em lugar de árvores, produz com mais abundância blocos de cimento armado. Mas ainda há pássaros, sim. Existem tantos, em redor da minha casa, que até agora não tive (nem creio que venha a ter) tempo de saber seus nomes, conhecer suas cores, entender sua linguagem. Porque evidentemente os pássaros falam. Há muitos, muitos anos, no ... Cecília Meireles · 9 de outubro de 1998 · 5K