Antologia // Portugal Sobre a transformação do latim em português É impossível fixar a data do aparecimento do idioma de que hoje nos servimos e tem sido instrumento de uma brilhante literatura; tão pouco se pode determinar a época precisa em que os sons do latim popular se transformaram nos portugueses que lhes correspondem; essa transformação não surgiu de repente, mas foi-se operando lentamente. Como qualquer ser vivo que, antes de atingir a forma que o distingue dos outros, passa por fases diversas, que lhe vão alterando as feições, as línguas, antes de... José Joaquim Nunes · 2 de outubro de 1998 · 12K
Antologia // Brasil Os clássicos e a língua Os nossos clássicos escreviam com lenteza, e com vagar é que compunham. Não podem, pois, ser devorados de um trago, como os livros de hoje, improvisados num laço. Aquilo que com vagar se compôs, durante anos se castigou e poliu, do esboço à derradeira mão, guarda sempre coisas e ideias subentendidas, elipses e segredos mentais, e rascunhos de palimpsestos, sentimentos inescritos, outrora claros e hoje invisíveis, que é mester subentendidos, aclarados, decifrados, ressuscitados, enfim, n... João Ribeiro · 25 de setembro de 1998 · 3K
Antologia // Brasil Destinos Literários de Portugal e Brasil A principal questão, ao fundar-se a Academia de Letras brasileira, é se vamos tender à unidade literária com Portugal. Julguei sempre estéril a tentativa de criarmos uma literatura sobre as tradições de raças que não tiveram nenhuma; sempre pensei que a literatura brasileira tinha que sair principalmente do nosso fundo europeu. Julgo outra utopia pensarmos em que nos havemos de desenvolver literariamente no mesmo sentido que Portugal, ou conjuntamente com ele, em tudo que não depende do génio... Joaquim Nabuco · 17 de setembro de 1998 · 4K
Antologia // Portugal Nas comédias em prosa e no verso heróico Este trecho é tirado do "Diálogo em defensão da língua portuguesa", e reproduz uma fala da personagem Petrónio, em resposta a Falêncio, que dizia ser a língua castelhana mais suave e bem-soante que a portuguesa, e tanto, que muitos Portugueses escreviam em castelhano. Pêro de Magalhães Gandavo · 10 de setembro de 1998 · 3K
Antologia // Portugal A graça da pronunciação A excelência da língua portuguesa é tal, que pode com muita justiça competir com a do seu engenho... Uma das razões por que é hoje a nossa língua portuguesa estimada por a mais excelente que as outras todas, é porque, sendo só (ela) capaz deste benefício, que não é a mais pequena excelência que nela noto, encorporou em si a graça da pronunciação e dos melhores vocábulos das outras, fazendo-se entre todas um ramalhete composto de diversas flores. Fernão Álvares do Oriente · 3 de setembro de 1998 · 2K
Antologia // Portugal A riqueza da nossa Língua Eu tenho em muito a (língua) portuguesa, cuja gravidade, graça lacónica e autorizada pronunciação nada deve (1) à latina, que vo-la exalça mais que seu império… Por isso eu quero raivar com os seus naturais, que a taxam difamando-a de pobre, e não lhe consentindo alfaiar-se do alheio, como que (2) o principal cabedal das copiosas não seja o mais dele emprestado; e a portuguesa, com o seu, é tão rica, que lhe achareis alfaias ricas, de que as outras carecem... Jorge Ferreira de Vasconcelos · 27 de agosto de 1998 · 3K
Antologia // Portugal Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,muda-se o ser, muda-se a confiança;todo o mundo é composto de mudança,tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades,diferentes em tudo da esperança;do mal ficam as mágoas na lembrança,e do bem – se algum houve – as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto,que já coberto foi de neve fria,e enfim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia,outra mudança faz de mor espanto:que não se muda já como soía. Luís de Camões · 21 de agosto de 1998 · 24K
Antologia // Portugal Arminhos de folha corrida Portimão–Outubro–1901 Li com agudíssimo prazer a sua última carta e compadeci a dor das suas melancolias, atenuando-a na experiência do lírico: —...que não há ninguém, que possa sofrer um mal, sem se alembrar de algum bem... Ainda é do melhor que nos resta essa faculdade de forragear nas próprias mágoas, agora que a nossa mãe espiritual – para mim renegada – a França entendida, vai dançando rondas oficiais em volta da estátua do Paulo ... Manuel Teixeira Gomes · 30 de julho de 1998 · 3K
Antologia // Portugal Pastorale Rasgo as árvores até percebercomo foiantes das vogaise regresso a casa.Tenho um rebanho de palavras à minha esperaConheço-as bemcomo o cajado onde me encosto enquanto pensoCubro os ombros de Sol efico-me de longe a olhar o rebanho.As palavras correm livres pelo pastoÉ com as mãos que eu as chamoe elas vêm submissasÉ com as mãos que as afasto«Vão-se embora palavras»Magoadas, adormecem depois. Teresa Alvarez · 23 de julho de 1998 · 3K
Antologia // Portugal O tesouro público da Língua O que é o verso e a rima? É uma nova língua? É uma nova sintaxe?... Não há duas línguas num povo, nem duas sintaxes numa língua. O verdadeiro verso rimado é o que respeita profundamente o tesouro público da língua nos seus elementos e combinações estabelecidas ; não vive à custa da ordem, da propriedade e da clareza, devida ao espírito, que está em primeiro lugar; não acrescenta nem tira nada: fala como se costuma falar, diz o que se deve dizer; e, sem a mais pequena diferença da ... João de Deus · 16 de julho de 1998 · 3K