Obriga-se o cronista... - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Obriga-se o cronista...
Obriga-se o cronista...
Sobre os adjetivos substantivados

Obriga-se o cronista a manter invariáveis os seguintes adjectivos, quando vierem usados para os seguintes substantivos:

Prelado será sempre virtuoso; cantora será sempre mimosa; jornalista será sempre consciencioso; jovem escritor será sempre esperançoso; patriota será sempre exímio; negociante será sempre honrado; caluniador será sempre infame. As maneiras de quem dá um baile serão sempre amáveis; os convidados sairão sempre penhorados. O folhetinista será sempre espirituoso; o poeta será sempre inspirado. Os irmãos terceiros serão sempre veneráveis. Os sócios de qualquer coisa mercantil serão sempre acreditados. Os meninos recém-nascidos serão sempre robustos. As viúvas serão sempre inconsoláveis.

(...) 

Se o ricaço der doze vinténs aos inválidos, este feito será sempre um rasgo filantrópico, e a fortuna dele será sempre abençoada. Não haverá baile que não seja animado, nem jantar que não seja lauto, nem serviço que não seja abundante, ou profuso, para variar. Nenhum homem rico terá amigos que não sejam numerosos. Todas as firmas da praça comercial serão sempre respeitáveis. O voto de qualquer parvoinho será sempre ilustrado; e mais depressa morrerá o cronista do que deixará de ser eloquente o discurso de qualquer Cícero fanhoso. Todo o casamento será próspero. Ninguém poderá morrer que não fique sendo bom cidadão, bom pai, bom marido, e terá tudo bom.

Cf. Como funciona a literatura (num livro de Camilo)

Fonte

Extrato do livro Crónicas, Textos Polémicos e Artigos Escolhidos (ed. Círculo de Leitores). Título da responsabilidade de Ciberdúvidas.

Sobre o autor

Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825 – S. Miguel de Seide, 1890) é um dos expoentes máximos da Literatura Portuguesa. Órfão de pai e mãe ainda criança, instalou-se no Porto em 1844 para estudar Medicina. Em 1845, estreou-se na poesia e no teatro. Em 1855, tornou-se o principal redator de O Porto e de Carta. Em 1858, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa. Dirigiu a Gazeta Literária do Porto em 1868. Das suas obras, destacam-se: A Queda de um Anjo (1866); Mystérios de Lisboa (1854); Amor de Perdição (1862); A Queda dum Anjo (1865) e A Brasileira de Prazins (1882).