A principal questão, ao fundar-se a Academia de Letras brasileira, é se vamos tender à unidade literária com Portugal. Julguei sempre estéril a tentativa de criarmos uma literatura sobre as tradições de raças que não tiveram nenhuma; sempre pensei que a literatura brasileira tinha que sair principalmente do nosso fundo europeu. Julgo outra utopia pensarmos em que nos havemos de desenvolver literariamente no mesmo sentido que Portugal, ou conjuntamente com ele, em tudo que não depende do génio da língua. O facto é que, falando a mesma língua, Portugal e Brasil têm de futuro destinos literários tão profundamente divididos como são os seus destinos nacionais. Querer a unidade em tais condições seria um esforço perdido. Portugal, decerto, nunca tomaria nada essencial ao Brasil, e a verdade é que ele tem muito pouco, de primeira mão, que lhe queiramos tomar. Uns e outros nos fornecemos de ideias, de estilo, de erudição e pontos de vista, nos fabricantes de Paris, Londres ou Berlim... A raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim melhor o seu idioma; para essa uniformidade de língua escrita devemos tender. Devemos pôr um embaraço à deformação que é mais rápida entre nós; devemos reconhecer que eles são os donos das fontes, que as nossas empobrecem mais depressa, e que é preciso renová-las indo a eles. A língua é um instrumento de ideias, que pode e deve ter uma fixidez relativa; nesse ponto tudo precisamos empenhar para secundar o esforço e acompanhar os trabalhos dos que se consagram em Portugal à pureza do nosso idioma, a conservar as formas genuínas, características, lapidárias, da sua grande época... Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano, Garrett e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira. A língua há-de ficar perpetuamente pro-indiviso entre nós; a literatura, essa, tem de seguir lentamente a evolução diversa dos dois países, dos dois hemisférios. A formação da Academia de Letras é a afirmação de que, literária como politicamente, somos uma nação que tem o seu destino, seu carácter distinto, e só pode ser dirigida por si mesma, desenvolvendo a sua originalidade com os seus recursos próprios, só querendo, só aspirando à glória que possa vir de seu génio.
Do "Discurso" proferido na sessão de abertura da Academia Brasileira de Letras, em 20 de Julho de 1897, e inserido no n.º 1 da respectiva "Revista", Rio, Julho de 1910, pág. 177, in "Paladinos da Linguagem", 3.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1923.