Há poucos anos contava-me um colega que tinha chegado lá ao departamento universitário um diploma brasileiro com um pedido de equivalência. Na reunião em que se falou do assunto, alguém olhou para o processo e reagiu: Universidade de Campinas?! Os brasileiros inventam com cada uma, eheheh, não sei que universidade é esta. Suponho que hoje fosse mais fácil explicar aos colegas de que universidade se tratava, talvez com a simples frase: É uma que está centenas de lugares acima de nós no ranking. Efectivamente, essa universidade também conhecida por UniCamp foi das que mais subiram no ranking mundial do Times Higher Education Supplement, passando da 448.ª posição para a 177.ª, imediatamente atrás da melhor universidade de língua portuguesa, que é, como seria de imaginar, a Universidade de São Paulo [USP]. Nenhuma universidade portuguesa aparece nos duzentos lugares deste ranking.
No ranking elaborado anualmente pela Universidade de Xangai, a Universidade de Lisboa e a do Porto conseguiram entrar na tabela de 500 lugares, atrás de cinco universidades brasileiras: as já referidas UniCamp e USP, mais a Federal do Rio de Janeiro, a Estadual Paulista e a Federal de Minas Gerais. Mas a atitude depreciativa que relatei acima subsiste sem dúvida, porque todos a reconhecemos bem em Portugal. É que a inferioridade com que nos fustigamos em relação aos países ricos tem de ser compensada por alguma coisa, e a sobranceria em relação aos países que imaginamos estarem abaixo na escala do desenvolvimento serve esse propósito, fornecendo apenas a pura satisfação psicológica da demissão: nem compara, nem compete, nem coopera. É talvez a mesma absurda razão por que, como lembra o blogger Ivan Nunes, os brasileiros estudam Eça de Queirós na escola mas nós não estudamos Machado de Assis.
Vasco Graça Moura, em novo texto contra o Acordo Ortográfico de novo aprovado pelo Parlamento português, alerta para o risco de estarmos perante uma Ota linguística. É uma comparação absurda mas curiosa: a referência à localização abortada para um novo aeroporto na região de Lisboa vai direitinha para o presidente da República, que teve um papel crucial nesse processo, e em quem os opositores do acordo ortográfico depositam agora as últimas esperanças.
Se a ideia é dar a entender que o Acordo Ortográfico seria um erro estratégico como presumivelmente a má localização de um aeroporto, haveria então algo a ganhar em que o presidente Aníbal Cavaco Silva vetasse agora um acordo ortográfico (que foi em primeiro lugar assinado por um primeiro-ministro cujo nome era: Aníbal Cavaco Silva).
Ao contrário da inconstância e do amadorismo que daria aos opositores do acordo esta alegria de última hora, há uma razão para que a estratégia portuguesa em relação ao Brasil tenha sido sempre a mesma. Porque é a estratégia correcta, e tão simples, que se resume numa frase: consiste em envolver o Brasil num esforço colectivo de promoção da língua, em que cada país lusófono conta institucionalmente o mesmo.
E tem ainda isto a seu favor: é realmente uma estratégia. Como tal, não se detém no acordo ortográfico. O exemplo das universidades com que comecei demonstra que há muito a fazer. Desde logo, abrir as nossas universidades (reconhecendo por exemplo os graus secundários brasileiros) e usando o prestígio que algumas lá têm, como Coimbra, e os diplomas europeus que elas podem conferir. Vem aí a presidência portuguesa da CPLP, e é preciso pensar o futuro pós-acordo.
In Público, 9 de Junho de 2008.