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Pelourinho // Pronúncia

As vogais do apelido Noronha

O vocalismo em Portugal

A madrugada de sábado para domingo foi longa em Portugal. Literalmente para todos, porque os relógios atrasaram uma hora para o pouco amado horário de inverno. Figurativamente para alguns, porque, além dessa hora a mais, houve quem tenha feito questão de ficar acordado com um olho nas redes sociais e o outro na televisão.

Em 25 de outubro de 2025, o Sport Lisboa e Benfica foi a votos, e os seus sócios bateram o recorde mundial de maior número de votos de sempre numa eleição para os órgãos dirigentes de um clube. Os canais noticiosos aproveitaram o momento e fizeram maratonas informativas pela madrugada adentro.

Um dos canais que mais jornalistas destacaram para o evento foi a CMTV, que transmitiu informação não confirmada (e que, aquando da apuração total de resultados, se revelou imprecisa), e cometeu também um deslize na pronúncia do nome de um dos candidatos.
A jornalista, em direto do Estádio da Luz, dizia o nome do vencedor nas várias secções de voto e, durante toda a madrugada, ouvimos dois nomes: o de Rui Costa e o de João Noronha Lopes. Só que, ao contrário dos seus colegas, optou por abrir o primeiro o do apelido do segundo candidato, dizendo constantemente "Nòronha", o que gerou vários comentários nas redes sociais.

Curiosamente, trata-se de um apelido com origem toponímica, provavelmente derivado de Noreña, uma localidade nas Astúrias, no norte de Espanha, mas a transmissão histórica em castelhano, língua conhecida pelas vogais bem sonoras, não justifica a mesma ênfase no português europeu contemporâneo. Em Noronha, a sílaba tónica é a segunda e, por isso mesmo, o o da primeira sílaba é átono e, como acontece no português europeu, pronuncia-se geralmente como u. Isto deve-se ao fenómeno da redução vocálica, que consiste no enfraquecimento de uma vogal em posição átona. Como esta, temos muitas outras palavras em que o o se pronuncia u, como em notícia, noventa, nostálgico, romã, comigo, comer, entre outras. Todas elas ilustram bem como o o átono tende a fechar-se em u na norma culta do português europeu.

A pronúncia incorreta “Nòronha” será um exemplo de hipercorreção, fenómeno linguístico em que se tenta aplicar uma regra de forma exagerada ou inadequada, por vezes para parecer mais “culto” ou “correto”, mas que acaba por gerar erro. Este tipo de deslize é comum em nomes próprios – veja-se o caso de Ronaldo – sobretudo quando se tenta evitar o que se julga ser uma pronúncia popular ou regional.

Na eventualidade de acontecer no Benfica o que aconteceu em Portugal nas presidenciais de 1986, em que Mário Soares, derrotado na 1.ª volta, ganhou na 2.ª volta, fica a correção, para não passarmos os próximos quatro anos a ouvir “Nòronha” em lugar de “Nuronha”.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa