«Com o sentido de "retirar-se", que é o caso da frase em análise, o verbo despedir será pronominal, seguido da preposição de.»
É comum, no português realizado em Angola, talvez também noutras latitudes lusófonas, a ocorrência do verbo despedir em frases como a referida no título deste texto, indicando o momento em que nos retiramos de um lugar e nos despedimos de alguém, o mesmo que dizer adeus.
Esta análise embasa-se na teoria variacionista de Labov (1972). Para o autor, as línguas variam tendo em conta a região, estatuto social e econoómica do falante. A frase em destaque, tal como dissemos, é comum na variedade do português falado em Angola.
Trazemos, neste artigo, uma análise do âmbito da sintaxe, especialmente sobre a regência verbal. Não é nossa pretensão, portanto, fazer um juízo de valor, mas, sim, uma reflexão sobre o fenómeno.
Como se sabe, a sintaxe «estuda as formas de relacionamento entre palavras ou entre orações» (NETO e INFANTE, 1998:37). Ou seja, é o estudo das relações ou funções que as palavras e orações vão desempenhar num determinado enunciado. Já a regência será, de acordo com Pestana (2013:979) «a maneira como o nome ou o verbo se relacionam com seus complementos, com preposição ou sem ela». Dito doutro modo, a regência ocorre quando um determinado verbo ou nome (termos regentes) é seguido ou não de uma preposição para o ligar ao elemento que o complementa (termo regido). Assim, teremos regência verbal, quando o termo regente for um verbo (ex.: «obedeça aos pais»), e regência nominal, quando o termo regente for um nome (ex.: «obediência aos pais»).
Importa realçar que regência vem de reger. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, de forma geral, diz que reger é «administrar, governar, dominar, dirigir». Portanto, em gramática, os termos regentes "dominam", "dirigem" os termos regidos, com a presença ou não de preposição, tal como já dissemos.
O que nos interessa, neste artigo, é, precisamente, a regência verbal. Ora, vale lembrar também que, tal como na regência nominal, há verbos que podem exigir mais do que uma preposição para indicar sentidos diferentes. Por exemplo, na frase «Vou a Portugal.» a preposição a aí indica um tempo de estadia relativamente curto; entretanto, na frase «Vou para Portugal.», para indica um tempo longo. Já deve estar claro que há verbos que exigem uma preposição para o ligar ao seu complemento, conforme acabámos de ver com o verbo ir. No entanto, há aqueles que a dispensam («ouvi vozes»). A presença ou não de uma preposição a seguir a um verbo pode alterar o sentido de uma frase.
De acordo com o Dicionário da Porto Editora (Infopédia), o verbo despedir, como transitivo directo (exigindo um complemento directo) pode significar «1. dispensar os serviços de; 2. mandar sair; 3. licenciar; isentar de serviço; 4. lançar, arremessar, etc.», intransitivo (não exigindo nenhum complemento), significando «1. partir; retirar-se; 2. estar a morrer» e, por fim, verbo pronominal, quando apresenta um pronome (se) na sua estrutura, com o sentido de «1. separar-se cumprimentando; retirar-se dizendo adeus; fazer as despedidas; 2. ir-se embora; 3. demitir-se; largar um emprego».
Portanto, com o sentido de «retirar-se», que é o caso da frase em análise, o verbo despedir será pronominal, seguido da preposição de, no caso, a frase em discussão seria, por exemplo, «Vai despedir-te da mãe.». Da forma como ela é apresentada, e assim ocorre com regularidade no português realizado em Angola, do ponto de vista da norma, tal como acabámos de ver, dá a entender que se está a pedir a alguém para dispensar ou mandar embora a mãe de um determinado local ou emprego, que não é o caso, certamente.
Por fim, relembramos as palavras de BAGNO (2007, p. 107) «A língua é viva, dinâmica, está em constante movimento – toda língua viva é uma língua em decomposição e em recomposição, em permanente transformação.» Não estamos diante de um caso de evolução sintáctica do/no português de Angola? Será esse um indicativo do futuro normativo do português de Angola? Eis as questões.
REFERÊNCIAS
1. BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico o que é, como se faz. Internet Archive, 2007. Disponível em: https://ia801305.us.archive.org/26/items/PreconceitoLingustico/MarcosBagnoPrecLinguistico.pdf. Acesso em: 18 jul. 2025.
2. "despedir". In: Infopédia. 2025. Disponível em: [https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/despedir-se]. Acesso em: 18 jul.2025.
3. LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução de Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. Disponível em: https://pt.slideshare.net/slideshow/padroes-sociolinguisticos-william- labov-pdf/269910212. Acesso em: 12 jul. 2025.
4. NETO, Pasquale Cipro; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1998.
5. PESTANA, Fernando. A gramática para concursos públicos. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
6. "reger". In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. 2025. Disponível em: [https://dicionario.priberam.org/reger]. Acesso em: 18 jul.2025.