Saramago fez a 16 de novembro 99 anos. Digo fez e não teria feito, porque quem está vivo e presente continua necessariamente a celebrar o seu aniversário.
Curioso apelido este de Saramago. É o mesmo nome que se dá a uma erva daninha, que cresce, à solta, nos campos. A sua designação científica é Raphanus raphanistrum e fica a dever-se ao facto de a raiz da planta ser parecida com a do rabanete, que em latim se designa Raphanus sativus. Assim, saramago é primo do rabanete.
Mas, o mais interessante é que o povo não tem memória para os nomes científicos que os estudiosos atribuem às plantas, pelo que, país acima e país abaixo, estas vão sendo batizadas por quem as conhece. E é assim que este Raphanus raphanistrum é conhecido não só como saramago, mas também como cabrestos, ineixa, labresto-branco, rábano, rábão, rábão-bravo, rábão-silvestre, saramago-de-fruto-articulado, saramago-de-fruto-grosso, entre outras designações de fundo criativo e de acústica sonora.
Embora o saramago seja uma erva do campo, não deixa de ter propriedades interessantes, pois regenera o fígado, tem propriedades antibióticas e serve mesmo como alimento.
Os nomes que Saramago, o escritor, escolhe para a suas personagens trazem sempre um mundo de intenções consigo. O que é curioso é que o apelido que coube em sorte a José de Sousa não deixa de ser literário e carregado de possibilidades. Também Saramago nos alimenta a alma e nos cura o intelecto. Também Saramago cresce livremente nos campos das ideias, rejeitando alinhamentos ou o controlo da cultura programada.
O que é certo é que Saramago, entre tantas coisas que nos deixou, trouxe novos significados a uma palavra nascida no seio do povo para designar uma erva daninha que aparece por aí, mas fica para sempre, como o homem a quem emprestou o nome.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Saramago - Carla Marques ]
Crónica da professora Carla Marques na sua rubrica incluída no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 28 de novembro de 2021.