«Até há pouco tempo, eu não voltava a buzinar, para não ser malcriado.»
Tirei a carta na Inglaterra onde a buzina serve para dispersar rebanhos depois de ter passado o mínimo de uma hora de joelhos, a tentar convencer as ovelhas a sair do caminho. Por isso ainda estou a aprender a linguagem portuguesa da buzinação e já vi que não será nesta vida que eu hei-de dominá-la.
Veja-se o que aprendi hoje. Arrendo um lugar de estacionamento em Cascais que só uso quando lá vou (estranho, não é?). Como está vazio durante o tempo que não estou lá (o que é ainda mais estranho, concordarão), há carrinhas que aproveitam para estacionar lá temporariamente. “Estacionar temporariamente": o que é que eles inventarão a seguir?
Quando eu chego lá para estacionar, buzino uma vez – uma cortinadela, cortês e curta – para que o condutor da viatura ocupante saiba que cheguei e que preciso do meu lugar.
Esta primeira buzinadela significa “despachem-se que eu preciso de estacionar”. Repare-se: não é “saiam daí!”. É apenas um pedido para acelerar o expediente.
E, de facto, a buzinadela imprime um novo ritmo às visitas e às descargas. O problema é que há descargas particularmente morosas que me cortam no tempo de praia.
Até há pouco tempo, eu não voltava a buzinar, para não ser malcriado. Mas agora descobri que a segunda buzinadela – a curtinatória –, curta mas peremptória, é que produz resultados imediatos.
Só depois da segunda buzinadela é que se despacham mesmo – ou interrompem a descarga para arranjar outro lugar ali perto – e, incrivelmente, até me pedem desculpa. Porque só com a primeira não me pedem desculpa nenhuma: só se agastam.
Concluo que só a segunda é que transmite sinceridade, que estou mesmo com pressa e que o meu sofrimento é genuíno e, como tal, merece ser considerado – e até agradecido.