« (...) Há mais mulheres do que homens com formação superior em Portugal; no entanto, os quadros superiores femininos continuavam, em 2018, a ganhar em média menos 26,1% do que os masculinos, ao passo que a remuneração-base média das mulheres continuava a representar apenas cerca de 85% da dos homens. (...)»
No Bom Dia Portugal (RTP) da passada sexta-feira [05/02/2021], escutei que Portugal se encontra abaixo da média da União Europeia relativamente à percentagem de mulheres em lugares de topo, de acordo com o Índice de Biodiversidade de Género 2020 (European Institute for Gender Equality). A peça incluiu uma excelente entrevista a Mariana Branquinho, consultora de recursos humanos, que expôs razões para a situação portuguesa e destacou os países do norte da Europa, especialmente a Noruega, como os que garantem maior igualdade no acesso das mulheres a posições de topo na sociedade, sobretudo devido aos elevados índices de literacia daqueles países, que são ricos, desenvolvidos e com democracias consolidadas.
Entre as razões geralmente apontadas para estes elevados índices destaca-se o impacto da Reforma Protestante nessa região. A rutura do mundo cristão, desencadeada por Martinho Lutero na Alemanha do início do século XVI, conduziu a uma prática baseada na interiorização da religião pela leitura dos textos religiosos, pelo que o esforço reformista de evangelização foi acompanhado de um intenso esforço de alfabetização. Em artigo de 1999 ("Alfabetização e escola em Portugal no século XX"), António Candeias e Eduarda Simões compararam os índices de alfabetização de conjuntos de países europeus em 1850, 1900 e 1950, verificando que Portugal ocupava a pior posição ainda em 1950 e apontando não só a religião como causa do sucesso dos países do norte da Europa, mas também fatores de natureza económica, tecnológica e política.
O referido atraso português ajuda a compreender porque Portugal apenas seja ultrapassado por Malta no recorde de país europeu com pior índice de alfabetização e, segundo dados de 2018 do Instituto de Estatística da UNESCO, seja um país onde apenas 95% das mulheres acima dos 15 anos são alfabetizadas. É certo que, de acordo com dados da Pordata, Portugal desceu dos 18,6% de analfabetos em 1981 para os 5,2% em 2011 e subiu de 6,8% de população no ensino superior em 2001 para 19,6% em 2019. Evoluímos muito, sim, mas Roma e Pavia não se fizeram num dia. Temos um longo caminho a percorrer para acompanhar os países mais desenvolvidos da Europa e, quando esta pandemia acabar, constataremos que esse caminho se tornou mais difícil e sinuoso.
Ainda segundo a Pordata, a percentagem de mulheres com diplomas do ensino superior era de 58,5% em 2019 e a de mulheres com doutoramento de 53,5% em 2015. Há portanto mais mulheres do que homens com formação superior em Portugal; no entanto, os quadros superiores femininos continuavam, em 2018, a ganhar em média menos 26,1% do que os masculinos, ao passo que a remuneração-base média das mulheres continuava a representar apenas cerca de 85% da dos homens.
Não é só a literacia que explica estas iniquidades. A cultura empresarial e institucional dominante, a dificuldade de acesso ao trabalho por mulheres em idade fértil, o descarado e impune desrespeito pelas leis laborais, sobretudo no setor privado, e a sociedade predominantemente machista em que vivemos são também razões a ser apontadas e combatidas com determinação. Não haverá incentivo eficaz à natalidade sem que estes problemas sejam resolvidos. Mas a educação é e continuará a ser o alicerce da democracia e do pleno desenvolvimento do nosso país.
Artigo publicado no Diário de Notícias no dia 10 de fevereiro de 2021.