« (...) Em França, o primeiro presidente da República foi Louis-Napoléon Bonaparte, entre 1848 e 1852 (...). A partir daí, quando algum país se tornava república, era natural que escolhesse o título presidente como alternativa aos títulos monárquicos. Foi o que aconteceu [em Portugal] com a implantação da República no início do século XX. (...)»
A história da palavra presidente junta dois acontecimentos da semana que agora começa. A origem da palavra é o latim, mas andou a passear pelo mundo.
A palavra presidente serve para muitas coisas: usamo-la para designar o chefe de Estado, mas também para nos referirmos a quem lidera a assembleia-geral do clube da nossa terra. Curiosamente, este último uso é o mais antigo.
A primeira vez que a palavra foi usada como título para o chefe de Estado, em alternativa a títulos monárquicos como «rei» ou «imperador», foi nos Estados Unidos, no momento em que foi redigida a Constituição que ainda hoje está em vigor. George Washington foi não só o primeiro presidente dos EUA, mas também o primeiro presidente de um país. Já havia repúblicas, mas nenhuma usava esse título em particular.
A palavra já existia: vinha do latim praesidēns e designava uma pessoa que preside a uma reunião. O inglês foi buscá-la — como a tantas outras palavras — ao francês. Era um termo que não lembrava, nem de perto nem de longe, a chefia do Estado.
Quando os EUA se libertaram da monarquia britânica em 1776, começaram por experimentar uma forma de governo descentralizada, em que cada antiga colónia se governava a si própria, com um incipiente governo central.
A experiência não correu assim tão bem. Em 1787, os representantes das várias colónias reuniram-se e decidiram redigir uma constituição. A Constituição dos Estados Unidos incluía um chefe de Estado individual, que assumiria o poder executivo do governo federal. Não seria um cargo hereditário e seria renovado de quatro em quatro anos.
Ora, que nome dar a essa figura? Alguém se lembrou da palavra «presidente» — e assim ficou. Para eleger o novo presidente, cada estado escolheria um número restrito de eleitores que, por sua vez, elegeriam o presidente. Ainda hoje os cidadãos de cada estado elegem o Colégio Eleitoral e não, directamente, o presidente.
Poucos anos depois, o Haiti também chamou presidente ao seu chefe de Estado. Muitos dos países que foram aparecendo por toda a América durante o século XIX escolheram esse título para a chefia do Estado.
Na Europa, Napoleão Bonaparte declarou-se presidente de uma República Italiana controlada por França que existiu ainda antes de a actual Itália se ter unificado. Ocupava apenas o Norte da Itália e durou três anos. Parece ter sido o primeiro uso da palavra «presidente» para designar o chefe de um Estado europeu, embora aquele fosse um Estado fantoche.
Em França, o primeiro presidente da República foi Louis-Napoléon Bonaparte, entre 1848 e 1852 (a família Bonaparte parecia gostar do título). Como bom Napoleão que era, o presidente cansou-se e decidiu assumir o mais pomposo título de imperador. Reinou como Napoleão III. Foi o último monarca de França — já depois de ter sido o seu primeiro presidente da República.
A partir daí, quando algum país se tornava república, era natural que escolhesse o título presidente como alternativa aos títulos monárquicos. Foi o que nos aconteceu com a implantação da República no início do século XX.
[No dia 24/01/2021] temos [em Portugal] não só a tomada de posse de um novo presidente do país que inventou o título, como ainda a eleição do nosso próprio presidente da República. Esta história lembra-nos que as palavras viajam entre línguas: presidente foi do latim ao francês, do francês passou para o inglês, a bordo dessa língua atravessou o Atlântico e, no Novo Mundo, assumiu um novo e importantíssimo significado. Sem se cansar, continuou a viajar, regressou ao francês e partiu em direcção a quase todas as línguas do mundo.
A influência das línguas umas nas outras não se limita à exportação e importação de palavras: as línguas também dão novos usos a palavras que foram buscar a outras paragens e, às vezes, mandam-nas de volta à proveniência. Quando usamos a palavra «presidente» para designar o nosso chefe de Estado, estamos a usar uma palavra de embalagem latina, mas com um miolo cozido no inglês.
Crónica do autor publicada no SAPO 24 e no blogue Certas Palavras em 17 de janeiro de 2021. Manteve-se a opção do autor, que segue a norma ortográfica de 1945.