D'Silvas Filho propõe aqui um conjunto de acertos nos critérios do texto oficial do Acordo Ortográfico que respeitem as especificidades e a tradição do português europeu. Como introdução, o autor define os seus «propósitos e o resumo das condições-base para o aperfeiçoamento do AO 90»:
[Texto também disponível na página do autor]
«Este trabalho teve como objetivo ser uma orientação do autor na constituição de um vocabulário pessoal e que possa também contribuir para a elaboração de um Vocabulário Ortográfico Nacional (VON) para o AO90 após a finalização do Vocabulário Comum (VOC). O autor pretende no trabalho defender o português europeu, tão maltratado nos atuais vocabulários portugueses para o AO90.
Aproveita-se para sugerir aperfeiçoamentos no AO90, mas não se pretende reformulá-lo completamente, pois seria agora inaceitável nova mudança drástica ortográfica. Deseja-se unicamente esclarecer os pontos dúbios e adaptar melhor o AO90 ao português europeu.
Nas Notas Descritivas do AO90 diz-se, alínea 3, que «se “privilegiou” o critério fonético (ou da pronúncia), com um certo detrimento para o critério etimológico». Então, os obreiros de vocabulários decidiram que este critério fonético era “sempre” determinante, ou seja, não ponderaram que na palavra “privilegiou” está implícita a tolerância de não ser tudo assim, nem que a relatividade da palavra “certo” permite que nalguns casos o critério etimológico ou outro sejam considerados.
Então, por exemplo, num dos vocabulários para o AO90, embora meritório no trabalho realizado, foi estabelecido como critério taxativo: «Em cada variedade nacional, eliminam-se as consoantes <c> ou <p> quando precedem um <c>, <ç>, ou <t> e não são realizadas foneticamente como consoante oclusiva...» (som [k], articulado). Esta decisão drástica implicou a eliminação de muitas consoantes que eram úteis no português europeu para abrir a vogal anterior, deu origem a inúmeras ambiguidades em palavras nas quais a consoante distinguia o significado e a invenção de novas palavras que não existiam na língua. Estas novas palavras implicaram mesmo o paradoxo de, nelas, converter a língua em duas diferentes quando o português era antes comum: sempre que o Brasil mantém a consoante como única solução e o vocabulário para o português europeu a suprime nas palavras.
O autor, no presente trabalho, não pretende, nas consoantes não articuladas, voltar à harmoniosa Norma (para Portugal) de 1945, pois que esta foi causa da separação entre a nossa grafia e a do Brasil. Deseja de facto alguma uniformização gráfica e que possamos dizer que existe uma `dita língua portuguesa´ única quanto possível. Além disso, reconhece ao AO90 o mérito de ser mais uma tentativa para esta uniformização.
Mas não pode abdicar em tudo o que seja manifestamente prejudicial para o português europeu. A relativa barafunda presentemente instalada e as vozes das pessoas que clamam contra ela devem ser consideradas. Lembremos que estando nós em democracia não se pode impedir que se prolongue durante muito tempo a existência de duas grafias em Portugal (a do AO90 e a de 1945), e o reverso da união global pretendida é ficar o próprio país dividido ortograficamente.
Assim, o autor, defensor da unificação desde sempre, e depois de imenso tempo a meditar na questão, está neste trabalho a pedir tolerância de parte a parte.
Sugere nele as seguintes soluções de compromisso, que se resumem e se desenvolverão adiante:
Consoantes das sequências: cc, cç, ct e pc, pç, pt:
Aceitou o critério fonético; mas só restrito e então impositivo, quando as consoantes são articuladas (mesmo que o sejam só restritamente).
Aceitou suprimir as consoantes não articuladas num critério de simplificação, dominante em relação à coerência; mas só nos casos em que a sua ausência:
a) não traga inconvenientes no português europeu (quando não tenham manifestamente nenhuma influência na vogal anterior ou quando a palavra ficar sem sentido no emudecimento dessa vogal);
b) não implique ambiguidades que não havia na Norma ortográfica de 1945;
c) não crie no português europeu palavras novas desnecessárias ou com retornos da grafia sobre a fonia inaceitáveis.
Contudo, quando a incoerência ou outros inconvenientes se tornarem gritantes, a supressão da consoante é ponderada, podendo ser proposta como variante a solução da Norma de 1945.
Acentos:
Aceitou o AO90, exceto com a manutenção de pára e de pêlo, desejadas como variantes.
Hífen
Considera as simplificações feitas no AO90 úteis, mas tem reticências quanto a se ignorar o sentido conotativo nos compostos ligados por preposição, resultantes da supressão generalizada dos hífenes nestes compostos.
Julga que com esta estratégia dará um contributo para pacificar “os prós e os contras” ao AO90 em Portugal, no objetivo de uma linha comum de união ortográfica para a almejada língua portuguesa universal.»
ÍNDICE
NOTA PRÉVIA
1. PRINCÍPIOS DE BASE PARA UM VOCABULÁRIO DO AUTOR PÓS-VOC
2. CRITÉRIOS DE ESCOLHA PELO AUTOR
2.1. Critério fonético
2.2. Critério da simplificação
2.3. Critério da unificação
2.4. Critério de se evitarem ambiguidades
2.5. Critério da Coerência
2.6. Critério de evitarem retornos sobre a fonia
2.7. Critério do bom senso
3. SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS, ESCOLHA DAS VARIANTES
3.1. Imprecisões e dislates do AO90 na supressão das consoantes
3.2. As listas do AO90 não são exaustivas
3.3. As duplas grafias são facultativas
4. ACENTOS E HÍFEN
4.1. Variantes necessárias nos acentos
4.2. Sentido aparente ou tradicional no hífen
5. LEGALIDADE DAS ESCOLHAS NO VOC
6. RESUMO DA ORIENTAÇÃO-BASE FINAL DO AUTOR PARA A ESCOLHA DOS VOCÁBULOS
PARA O PORTUGUÊS EUROPEU PÓS-VOC
7. TOLERÂNCIA
NOTA PRÉVIA
Houve no AO90 uma preocupação excessiva em aproximar o português europeu do português brasileiro com base na fonética, quando as suas características fonéticas são bem diferentes. Muitos autores de vocabulários para o AO90 em Portugal adotaram o critério drástico de suprimirem as consoantes nas sequências, sempre que não articuladas (ditas mudas). Assim, foram suprimidas consoantes, que no português europeu eram úteis para desfazer ambiguidades, manter coerências ou evitar retornos da grafia sobre a fonia.
Após os estudos do Vocabulário Comum (VOC), considera-se necessário escolher soluções que melhor satisfaçam às características peculiares do português europeu.
Devidamente justificadas e com muitos exemplos no seu trabalho: Aperfeiçoamentos do AO90. Adequações ao Português Europeu, após Vocabulário Comum, o autor estabeleceu, para essa reformulação, as seguintes orientações:
1. PRINCÍPIOS DE BASE PARA UM VOCABULÁRIO DO AUTOR PÓS-VOC
Os vocabulários nacionais elaborados especificamente para o AO90 foram erradamente fundamentados num critério fonético preferencial, que divide os falantes. No estudo aprofundado de unificação, no VOC, terão sido feitos aperfeiçoamentos, ou mesmo alterações ao texto do AO90, mas considerados insuficientes pelo autor. Assim, no estudo seguinte, considera-se que:
a) O critério base do autor para a escolha da grafia das palavras obedecendo ao AO90 é a simplificação conveniente, pois era essa diferença na ortografia que dividia Portugal e o Brasil. O critério fonético só é imperioso quando a consoante é articulada. Pretendendo-se a unificação, procurar-se-á adotar palavras únicas, e as variantes são sugeridas só quando indispensáveis.
b) Atender-se-á sempre à especificidade do português europeu, na sua tendência para o fechamento das vogais.
c) É conveniente rever os vocabulários para o português europeu (PT) para o AO90, à luz das decisões tomadas no VOC.
d) Como se justifica adiante no trabalho, a palavra “facultativamente” significa que as variantes do VOC estão universalmente à opção nas duplas grafias, como no AO90. Recomendar-se-á para o português europeu a variante aconselhável (exemplo caráter), mas isso não implica a ilegalidade, no país, de outras variantes (exemplo carácter), salvo se pode fazer significativa confusão (exemplo: o fato de BR utilizado em PT com o sentido de ação, assunto, em vez de o correto em PT facto).
e) O VOC é um trabalho meritório e extremamente útil na unificação pretendida para que se consiga ter uma língua portuguesa planetária. Mas o autor não o considera lei taxativa na língua, pois continua ainda enfeudado ao critério fonético e não fez todos os aperfeiçoamentos que se impunham.
2. CRITÉRIOS DE ESCOLHA PELO AUTOR
2.1. Critério fonético
Mais ou menos etimológico, um signo linguístico, com a convencionalidade fonética dos seus grafemas, tem de representar, pelo menos de uma forma aproximada, o som com que o falante da língua portuguesa traduz um dado significado. Assim, se uma consoante etimológica das sequências é articulada no país, esta consoante tem de estar representada na grafia do signo (é um erro grave, por exemplo, em Portugal grafar-se *impato por impacto), considerando-se então: imperativo o critério fonético se a consoante é articulada (mas só neste caso: logo é um critério fonético restrito e lúcido, não `sempre aplicado´, cegamente).
Se a articulação da consoante não for geral, mas restrita, continua na mesma a predominar a grafia com a consoante, pois a sua presença não impede a pronúncia sem ela. Para evitar a confusão que as duplas grafias fazem, só deve mesmo ser prevista variante quando a consoante for muito frequentemente não articulada (exemplo só dicção, mas sector e setor)
Lembremos que, se o critério etimológico pode unir os falantes, permitindo várias prosódias, o critério fonético tende a dividi-los. Pensemos como seria diferente a escrita nalgumas regiões do nosso país se nelas fosse aplicada uma grafia adequada à legítima pronúncia dos seus falantes. Para o autor, o critério fonético em Portugal deixa de ser preferencial se não for imperativo como acabámos de indicar; e outros critérios, como a unificação, a ambiguidade, a coerência, o retorno sobre a fonia ou o bom senso recomendarem a manutenção da consoante, embora não articulada (exemplo: concepção, óptica).
Foi de facto um erro os autores dos vocabulários para o AO90 terem considerado imperiosa em Portugal a eliminação sistemática das consoantes etimológicas batizadas de “mudas”.
2.2. Critério da simplificação
“Neste trabalho”, é o critério da simplificação que orienta, como base inicial de escolha, se a consoante não articulada pode ou não ser suprimida. Além disso, se um critério fonético `sempre aplicado´ impunha taxativamente a supressão da consoante quando não articulada, o critério da simplificação atende à especificidade do português europeu, só suprimindo a consoante quando de facto dispensável.
Louva-se que um dos objetivos dos linguistas do AO90 tenha sido também a simplificação. Foi esta, lembramos, a razão da recusa posterior do Brasil quanto ao Acordo de 1945, pois este país desejava maior simplificação. O desvio para um critério fonético `preferencial sempre´ foi uma imponderada decisão de pouco cuidado com a história das palavras e com o interesse do português europeu, e que, afinal, contrariou o objetivo de unificação.
A simplificação na língua é imperiosa com o tempo, nos novos conhecimentos e costumes, para se ir adaptando ao uso dos falantes, que a vão mudando. Ora, se os especialistas não a adaptam, os falantes fazem-no arbitrariamente, como mostra a experiência.
Foi o reconhecimento dessa necessidade que impôs a grande simplificação feita em 1911, eliminando muitos resquícios ancestrais, nas imitações que os escritores anteriores iam introduzindo na língua para ostentarem erudição greco-latina. Lembremos que foram substituídos: ç inicial, ph, th, rh, y, ch com valor de k; ou simplificados: cc, dd, ff, gg, ll, mm, nn, pp, tt.
Também a norma de 1945, na sua Base VI, considerava eliminados os c em 22 palavras e o p noutras 22, algumas que hoje achamos estranho que tenham existido, como *extincção, *víctima, *absorpção, *prompto...
Nos nossos dias, em palavras como accionar, exacto (com vogal átona fechada ou vogal tónica antes da consoante etimológica), a consoante é desnecessária para abrir a vogal, e recomenda-se que as palavras sejam agora simplificadas. Noutras palavras, a ausência da consoante também não traz inconvenientes e pode suprimir-se, sobretudo quando essa ação for também útil para a unificação na língua.
2.3. Critério da unificação
Se um dos primeiros critérios prioritários tivesse sido o unificador na língua, haveria muito maior uniformização no AO90. Depois dos dois critérios acima indicados, este é fundamental considerar-se, porque é aquele que verdadeiramente mais justifica a existência do AO90. Quando o VOC permitir variantes e uma delas unificar mais a língua, é essa a variante que deve ser considerada preferencial. Por exemplo, entre acepção e aceção, como acepção é única no Brasil, considera-se preferencial no português europeu. A dita aproximação ao Brasil na supressão das consoantes mudas é absurda nesta palavra como em muitas outras, pois o que houve neste caso foi a ideia insensata de quererem que de futuro em Portugal só se escreva aceção, quando o p mudo nunca impediu a pronúncia correta; imposição com o inconveniente de se ter inventado desnecessariamente uma palavra e havendo o risco de ambiguidade desnecessária com acessão.
2.4. Critério de se evitarem ambiguidades
Na escolha das grafias devem evitar-se ambiguidades. Uma das qualidades da língua é a clareza. Não faz sentido que esta qualidade se exija na língua, e que depois a própria ortografia a contradiga. Depois de se considerarem os três critérios prioritários acima, deve-se ponderar o aperfeiçoamento do AO90 neste critério. Nalguns casos, o risco da ambiguidade pode mesmo ser muito importante no ponto de vista do autor (seria, por exemplo ótica para visão e para audição).
2.5. Critério da coerência
A incoerência é sempre fonte de perturbação numa aprendizagem. O intelecto estabelece naturalmente ligações cerebrais nas premissas que enfrenta. Ora tudo o que for uma descontinuidade nessas ligações, tende a ser descartado na lógica da memória. As descontinuidades têm então de ser fixadas como exceções, e regras com muitas exceções quase deixam de o ser (veja-se o caso da eliminação do ditongo com i ou u, que tem 6 exceções na norma ortográfica...).
A seguir aos três critérios prioritários, deve-se ponderar também o aperfeiçoamento do AO90 de forma a evitar incoerências.
Uma incoerência que ficou gritante foi o caso de Egito, mantendo-se várias palavras da mesma família com o p etimológico. Num mesmo texto, a coabitação com a palavra Egito pode dar origem a erros do tipo *egitólogo, ou *egitologia, convindo que, nesse caso, seja usada a variante Egipto não preferencial, proposta pelo autor deste trabalho, que, aliás sempre foi usual no português europeu e não se aceita perder.
2.6. Critério de evitarem retornos sobre a fonia
Embora se tenham presentes sempre os três critérios prioritários, devem-se escolher nos primeiros tempos de aplicação do AO90 aquelas grafias que deem maiores garantias de não trazerem retornos inconvenientes da grafia sobre a fonia (mudar a pronúncia da palavra), taxativamente se esse retorno tende a fazer confusão com outras palavras. Devemos pronunciar a palavra sem a consoante para ver se poderá haver ambiguidades, em particular nos casos em que o e pode ficar mudo sem o apoio da consoante posterior. Por exemplo, foi um disparate a supressão da consoante etimológica em espectador: a grafia espetador pode dar a pronúncia |esptador| → [ǝSpǝtŒdoR].
2.7. Critério do bom senso
É uma "opção" considerada sensata entre alternativas possíveis, sem subordinação rígida a qualquer critério. A língua não se deixa meter em talas, e os falantes é que são os seus donos, não os “fazedores” de regras e vocabulários. Mas o bom senso é relativo, pois depende do senso de cada um: por exemplo, há quem afirme que o AO90 “tem carradas de bom senso” no ponto de vista de quem o afirma; mas esta ideia não é consensual. Em muitas escolhas atrás, o autor tentou aplicar o “seu” bom senso, não seguindo taxativamente as regras.
3. SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS, ESCOLHA DAS VARIANTES
3.1. Imprecisões e dislates do AO90 na supressão das consoantes
A alínea b) do 1.º da Base IV do AO90 é sintomática sobre a superficialidade dos obreiros do texto do AO90 no que se refere à supressão das consoantes não articuladas:
• Foi mal cuidada na escolha dos exemplos. • Na lista, fica a dúvida quanto ao facto de algumas das consoantes das sequências indicadas serem invariavelmente mudas. • Mesmo o estabelecimento desta condição depende da comunidade culta e de critérios discricionários. • A consoante muda não significa que seja inerte, pois pode exercer ação com sinais fonéticos.
Em resumo, esta alínea está repleta de dislates e não pode ser tomada à letra como critério para se suprimirem sempre as consoantes que se considere arbitrariamente não articuladas nas sequências cc, cç ct, pc, pç, pt. A consoante deve permanecer se for articulada mesmo restritamente e também permanecer se exercer ação determinante no português europeu, dado que não tem havido inconveniente fonético na sua presença se não articulada.
3.2. As listas do AO90 não são exaustivas
Muitos autores de vocabulários para o AO90 consideram que uma lista existente no AO90 para compostos que conservam os hífenes nas ligações por preposição foi a base para concluírem que em mais nenhum outro composto do mesmo género os hífenes eram legítimos. Então também se pode tirar conclusão semelhante (que são limitativas) de quaisquer outras das listas do texto do AO90? Claro que não. Por exemplo, abrupto não está na lista a) do 1.º da Base IV e abruto como variante de abrupto, na lista c), é um disparate. Conclusão: as listas do AO90 não são exaustivas a não ser que expressamente o indiquem.
3.3. As duplas grafias são facultativas
Um elementar bom senso indica-nos que `a palavra “facultativamente” de c) do 1.º da Base IV do AO90´ significa que as duplas grafias autorizadas nessa lista ficam à opção livre do falante em todo o universo da língua; da mesma maneira que significa a palavra “facultativo” a assinalar as terminações verbais -ámos e -amos do 4.º da Base IX do AO90 e do “facultativamente” estabelecido no b) do 6.º da Base IX do AO90 para dêmos e demos, fôrma e forma.
Logo, logicamente, ficam também “facultativas” todas as variantes num vocabulário que se considere comum na língua portuguesa (como dissemos atrás, por exemplo, carácter ou caráter, registados no VOC), e não há critério válido, fonético ou outro, que possa anular esta facultatividade na língua comum. Pode haver aconselhamento para as pronúncias ou as grafias usuais numa dada comunidade (por exemplo, no português europeu -ámos no pretérito e facto, não fato, nessa acepção, como dissemos), mas nunca proibição do que é facultativo.
4. ACENTOS E HÍFEN
4.1. Variantes necessárias nos acentos
Assim como são permitidas diversas variantes noutros casos de acentos, recomenda-se que também o sejam na forma verbal pára/para, e no substantivo pêlo/pelo, para evitar ambiguidades.
4.2. Sentido aparente ou tradicional no hífen
Não se devem perder as virtualidades que o hífen tem dado à língua no sentido aparente dos compostos (figurado, de tradição, de unidade semântica). Por força de 3.2, a lista do 6.º da Base XV do AO não é limitativa sobre os compostos com preposição e ligação por hífen, caso contrário há incoerência com a lista de d) da Base XVIII, exemplo: copo-d’ água (composto em sentido figurado, hífen e preposição); e há desacordo gritante com a Imprensa Nacional, entidade idónea na língua, que regista, por exemplo: lua-de-mel, cabo-do-mar, mestre-de-obras, e muitos mais em oposição ao VOC.
E por este desencontro se justifica que o autor não considere o VOC lei na língua; • além de o autor considerar também que o VOC tem notas que podem ser interpretadas como proibições de grafias úteis na índole do português europeu, numa exagerada fixação ao critério fonético, • ou que escolhe soluções com perdas de virtualidades da língua. Aguarda que oficialmente o Estado estabeleça a lei.
Em qualquer caso, mesmo com eliminação dos hífenes, é conveniente usar um processo para distinguir estes compostos daqueles que estão no sentido denotativo. Por exemplo, o autor sugere as aspas altas, como para “anjo da guarda”, um composto que era anjo-da-guarda, unidade semântica.
5. LEGALIDADE DAS ESCOLHAS NO VOC
Para a elaboração de um VON PT pós-VOC, é possível escolher a forma mais adequada ao português europeu em todas as duplas grafias do VOC. Estas duplas são consideradas pelo autor todas legais na língua comum. Devem ser escolhidas na “tradição” ortográfica do país, segundo a Declaração do Conselho de Ministros da CPLP, no Plano de Ação de Brasília para a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa.
Tradição que, assim, impõe que não sejam exclusivos o critério fonético nem o da simplicidade que terão presidido na anterior escolha dos vocabulários para o AO90, mas a imperativa obediência também ao princípio fundamental de não se tirarem virtualidades ao português europeu, o que obriga a ponderar as outras condicionantes citadas atrás, nos vários critérios de escolha.
6. RESUMO DA ORIENTAÇÃO-BASE FINAL DO AUTOR PARA A ESCOLHA DOS
VOCÁBULOS PARA O PORTUGUÊS EUROPEU PÓS-VOC
Vimos em 2.1 que, afinal, o critério fonético não constitui nada uma orientação `para o falante indiscriminado saber como escrever as palavras no AO90´, porque, na supressão sistemática das consoantes etimológicas, apareceram muitas aberrações, algumas que os próprios correctores ortográficos informáticos sancionam (exemplo: pacto/pato). De qualquer forma, no critério fonético sempre preferencial, passa em muitos casos a ser necessário um bom conhecimento ortoépico ou a fixação da grafia da palavra como na norma anterior.
Aceite, neste livro, que o critério fonético é só preferencial quando a consoante etimológica é pronunciada e seguindo-se as outras orientações-base de escolha indicadas, pode-se estabelecer a seguinte estratégia resumo para a escolha no AO90, pós-VOC:
1. Pronunciar a palavra. Se a consoante é articulada, mesmo restritamente, fica imperativamente na palavra preferencial (exemplo: sector). Em caso de dúvida, consultar informação idónea sobre a pronúncia correta.
2 Se não é articulada e manifestamente desnecessária (sucede a vogal átona fechada ou a tónica (exemplos: acionar, correto), ou, ainda, se na supressão da consoante o retorno sobre a fonia conduz a uma grafia sem significado (exemplo: fator), a simplificação obriga a que seja suprimida na generalidade. Este caso e o anterior são os mais gerais, e estas duas orientações permitem uma escolha fácil.
3. Se não é articulada mas não está na condição anterior, ponderar sucessivamente a unidade, a ambiguidade e a coerência (exemplos: acepção, única no Brasil; corretor ambíguo com corrector; espectáculo coerente com espectador). Finalmente, não esquecer o bom senso ou a didática quando esta for determinante (exemplos: Egipto em textos com antepositivo egip-; ou directriz para o formador sublinhar bem que não se pronuncia |dirtriz| > [dirǝtriz]).
A escolha não é tão fácil, mas também não o é seguindo-se o critério fonético, porque este cegamente leva a disparates como o *espetador para espectador. Nalguns casos será necessária ajuda (exemplo: de um corrector informático) ou da memorização, ...mas também o era na norma de 1945 (exemplo: tinha de se memorizar accionar, com uma consoante sem ação na palavra).
4. Ponderar sempre nos hífenes a conveniência em distinguir bem na escrita os sentidos conotativos ou aparentes: `figurado´ (exemplo: “cair em saco-roto”; “beber um copo-de-água”); `tradição´ (exemplo: segunda-feira); `unidade morfo-semântica´ (exemplo: tio-avô); mas não hifenizar no sentido denotativo ou real (exemplo: bom senso, “o copo de água e o de vinho na mesa” ).
5. Nos acentos, é fácil seguir o AO90 porque no português europeu as mudanças preconizadas neste livro são muito poucas: O autor adota pára para forma verbal e pêlo como nome.
7. TOLERÂNCIA
Sublinha-se a característica particular de tolerância com que se deve aplicar o AO90. Lembre-se que a Reforma Ortográfica portuguesa de 1911 aceitava não ser inteiramente seguida se isso fosse conveniente por questões didáticas. Repare-se ainda que, não obstante a sua reforma ortográfica também ser do remoto 1990, os franceses continuam a aceitar agora a escrita na norma anterior (e igualmente retiraram letras e acentos).
Em resumo, a menos que o Estado estabeleça uma lei oficial, logo com penalidades se desrespeitada, o falante em Portugal deve também ser livre de adotar o AO90 ou de continuar a escrever na norma antiga. Deve-se mesmo ser tolerante nalguma mistura entre a norma anterior e a moderna, nestes próximos tempos. Na dúvida de que a consoante possa ser suprimida, é mesmo aconselhável mantê-la, para evitar os erros grosseiros atrás indicados.
Nos organismos ligados ao Estado, incluindo ensino, em princípio segue-se a Resolução 8/2011, enquanto estiver em vigor. Note-se, porém, que nem todas as entidades respeitam inteiramente essa Resolução, que recomendava obedecer aos vocabulários então publicados, hoje postos em causa. Mesmo no ensino, é uma violência a intransigência em só se aceitarem termos desses vocabulários.
Numa fase de adaptação à nova escrita, sempre longa, tem de haver tolerância, de mais a mais estando o português europeu a sedimentar o vocabulário que melhor serve as suas características peculiares. Além disso, incluindo os defensores do AO90, como o autor, sente-se mesmo a necessidade de aperfeiçoamentos do texto do Acordo de 1990: para se reporem virtualidades da língua que eram úteis e para se conseguir uma norma ortográfica mais bem estruturada, coerente; e talvez mais simples (exemplo: nos textos destinados ao universo da língua, deixar opcional pôr ou não acento nas esdrúxulas com tónica em e, o quando seguidas de m, n noutra sílaba (exemplo academico, Antonio), o que evitaria a necessidade de assinalar as diferenças de timbre com os acentos gráficos agudo ou circunflexo.
Ver, ainda: Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa