Sob novas e diversas influências, a língua portuguesa registou nos dez anos decorridos do 25 de Abril em Portugal novos vocábulos e expressões, que marcaram toda uma realidade política, económica e social que abrangeram o país e as suas então ex-colónias em África, entretanto países independentes. O dicionário e os depoimentos que se seguem – publicados no semanário Expresso de 21 de abril de 1984 – constituem uma abordagem possível do fenómeno. Disponíveis também aqui, num conjunto de textos jornalísticos sobre a reinstauração da democracia em Portugal e o fim da censura, da PIDE, dos presos políticos e da guerra colonial.
ABRANGÊNCIA. Abrangimento. Abrangente. Provavelmente a mais recente contribuição para o léxico político do pós-25 de Abril
ANÁLISE (POLÍTICA). O vocabulário não é novo mas a expressão consagraria um género jornalístico específico.
ATEMPADAMENTE. A tempo e horas. «O Governo divulgará atempadamente o pacote de medidas a implementar».
AUTARCA. «Ditador» (de autarquia) é como ainda se lhe refere a ultima edição do Novo Dicionário Morais (1980) sentido manifestamente deslocado em termos do chamado poder autárquico ou local.
BARÃO. Referência a certas figuras (normalmente da província) do PSD em analogia ao peso político, dos «barons» gaullistas.
BASTANTE. É o que basta, mas generalizou-se como «muito».
BIPOLARIZAÇÃO. Tese sobre a divisão do país em dois campos políticos opostos e aparentemente homogéneos.
BRASILEIRISMOS. Via, sobretudo, telenovelas. Modismos mais ou menos efémeros proliferam, em muitas e variadas tonalidades: estar numa boa/numa má (ou péssima ... )/ nessa; numa naice; onda; transar; tudo bem.
CAMARADA. Forma de tratamento antes só circunscrita aos militares - ou aos movimentos de resistência na clandestinidade. Dez anos depois pode igualmente significar amigo, companheiro ou correligionário.
CARTUNISTA. «Cartoon» em português, que se impôs a caricaturista.
CASSETE. Aport. de «cassette», Cassete política: os franceses chamam-lhe «langue de bois».
CENÁRIO. Exercício livre nas análises políticas muito à base dos chamados factos políticos.
CENTRISMO. Nova categoria político-partidária.
CIMEIRA. Encontro ao mais alto nível.
CIVILISMO. Oposição à estatização e à intervenção dos militares na vida nacional. «Libertação da sociedade civil».
CONOTAR. Ter afinidade ou simpatia, estabelecer ligação.
COLABORADOR. Em sentido de trabalhador ou empregado - tal como noutro registo posto de trabalho passou a substituir a palavra «emprego»,
COMPUTADORIZAR. Submeter a tratamento de computador (prevaleceu o anglicismo em vez do mais melodioso galicismo ordenador).
CONTEXTO. Com o equivalente de situação mas há quem se refira já a «este contexto de situação».
CONTROLO. Neologismo generalizado. Controlo operário; controlo da Comunicação Social.
COOPERANTE. Como substantivo, passa a definir o estatuto dos emigrantes, nos países africanas de expressão oficial portuguesa.
DESCOLONIZAÇAO. Termo da segunda metade deste século, é um dos três «D» inscritos no Programa do MFA em 74: «Descolonizar, democratizar, desenvolver».
DESESTABILIZAÇÃO. Confusão, desordem, caos. «Fazer um PREC»
DESINFORMAÇÃO. Informar mal. «Campanha de contra-informação».
DESINTERVENÇÕES. Devoluções, desocupações, desnacionalizações. Tirando o prefixo recuaremos aos tempos da cintura industrial e da via original para o socialismo.
DESPOLETAR. A Brigada de Minas e Armadilhas da PSP costuma fazê-lo mas na Comunicação Social ficou exactamente como «accionar».
DILEMÁTICA. Utilizado como substantivo é um dos novos palavrões mais caros ao discurso «tecno».
DISCOTECA. Utilizado na acepção de «dancing».
DOPAR. «Doping» ainda resiste ao seu aportuguesamento, mas o verbo já ganhou foros de cidadania.
ELENCAR. De elenco: arrolar.
EMPREENDEDOR. Sinónimo de empregador, empresário, investidor, em detrimento progressivo do termo capitalista ou patrão («Patrão, por seu turno, vem a ser recuperado na gíria desportiva ... o verdadeiro patrão da equipa ).
ESCAPISMO. Fuga da realidade.
ESTRANGEIRISMOS. Sem conta e da mais diversa proveniência. Normalmente tecnicismos intraduzíveis «audio», «boom», «check-up», «dancing», «design», «feeling», «foreing» , «freak», «know-how», «holding», «jogging», «lay-off», «leasing», «lobby», «performance», «speed», «spray», «stress», «stop and go» (política económica de vários governos), «slogan», «snack», «timing», «T-shirt», «underground», , «video-tape».
EXCEDENTÁRIO. Tomado como substantivo: excedente. Empresas em situação económica difícil.
FUNILIZAR. De funil. Informação funilizada.
GESTOR. Na acepção de administrador. Gestor público. Conselho de Gerência. Gestão democrática.
GOVERNAMENTALIZAR. Pôr ao serviço do Governo.
GRATIFICANTE. Gratificador.
IMPLEMENTAR. Pôr em execução. Começou como gíria dos informáticos, pegou, e políticos, economistas e jornais tornaram-na uma das palavras actualmente mais em moda.
INFORMAÇÕES. No plural, volta a estar na ordem do dia na acepção de Serviço de Informações.
INFORMADOR. Dez anos atrás era uma palavra maldita, associada à PIDE, que ninguém empregava como sinónimo de fonte de informação.
INFORMÁTICA. Salvo o caso de recentes obras específicas, em Portugal os dicionários e prontuários desconhecem ainda a palavra. A informatização e a sua linguagem codificada vulgarizaram-se entre nós («bit», «byte», «burótica», «octeto», «hardware», «input-output», «robotica», «software»).
INSTRUMENTALIZAR. Manipular, manobrar.
JARGÃO. Galicismo. O galicismo não é novo mas serve para registar alguns exemplos do calão mais conhecido nos últimos dez anos: bacano, bófia, comuna, granel (bernarda), facho, flipado, manife, passa, pedrada, reacção, revista, xuxas.
LÍDER. Começa com «leader» e a adaptação é completa: liderar, liderança.
LISTAGEM. Maneira tecnocrática de dizer lista.
MASSIFICAÇÃO. Duplo sentido: generalização /uniformização. Massas, massivo (em vez de maciço).
MILITÂNCIA. Já em sentido diferente do termo castrense «militança».
OBJECTOR. Aquele que faz objecção de consciência.
OPERACIONAL. Substantivado, passou a especificar uma categoria de militares com intervenção activa durante o Verão quente de 75 em oposição aos chamados «políticos».
PACOTE. Conjunto de medidas.
PARÂMETRO. Condicionalismo, delimitação variável.
PARQUEAMENTO. Acto de parquear (estacionar em parque automóvel).
PARTIDARIZAÇÃO. Acto ou efeito de se tornar correia de transmissão de.
POSICIONAMENTO. «Optou por um posicionamento pouco transparente...»
PRIMEIRA-MINISTRA. Já tivemos uma, há a «dama de ferro» e, à parte as resistências habituais, é uma das palavras que nasceram com a década.
PRIMO-DIVISIONÁRIO. Que é da Primeira Divisão.
PRIMO-MINISTERIÁVEL. Candidato ou com condições para o cargo de primeiro-ministro. Presidenciável. Ministeriável.
PSICOLOGIA. Parte do seu vocabulário específico ganhou significado mais alargado, estendendo-se a outros campos do conhecimento: análise, bloqueamento, depressão, inconsciente colectivo, neurose, paranóia, traumático.
PROBLEMÁTICA. Evolução como substantivo: complexo de problemas.
QUALIDADE (DE VIDA). Conceito meramente institucional, mas que se impôs como variante de nível de vida.
RECICLAR. Actualizar.
RELANÇAR. Estimular de novo. Retoma.
REPRIVATIZAÇÃO. Acto ou efeito de desnacionalizar as empresas do sector público.
REFERENCIAL. Agora como substantivo: o m.q. «referência».
RETORNADO. Regressado das ex-colónias
ROQUEIRO. Roquista. Se bem que já existisse o movimento «rock», vulgarizou-se a versão portuguesa.
SANEAR. No sentido de afastar, demitir, expulsar.
SENSIBILIDADE. Tendência, facção.
SENSIBILIZAÇÃO. Acção de sensibilizar as populações durante as campanhas de dinamização cultural da S. Divisão.
SEXISMO. Chauvinismo sexual.
SUBMARINO. Infiltrado.
SUBSTRATO. Depois da rábula «Esteves»/ «O Tal Canal» o hermético conceito filosófico de Cândido Figueiredo saltou para as bocas do mundo.
TORRE. Arranha-céus.
TRAVESTIZAR (-SE). Mascarar(-se), disfarçar(-se).
TUTELA. Dependência. Ministério da tutela.
UNICIDADE. No sentido de unidade monolítica. «Unicidade sindical».
VALORAÇÃO. Valorar.
VERDES. Ecologistas. Movimento político de raiz ecologista.
VECTOR. Novo substantivo: linha de força, componente.
VISUAL. Aspecto, aparência, «(new)look».
VIABILIZAÇÃO. Viabilidade. Contratos de viabilização.
WINDSURF. Veio a novidade, ficou a palavra original: ninguém diz «prancha à vela» (ainda no vocabulário desportivo: «rugby» já ficou râguebi e «crack» já é craque, enquanto «golf» já se escreve golfe).
YA. «Ya, meu»
ZIMBABUEANO. Disse-se e escreveu-se em vários sons e tons, até assumir uma feição portuguesa. Aliás como em relação a outros gentílicos desta década: afegão, grenadino, namibiano.
Texto da autoria do jornalista José Mário Costa, transcrito, com a devida vénia, do semanário Expresso de 21 de abril de 1984. Disponível, também, nesta recolha de textos jornalísticos sobre o 25 de Abril de 1974, aqui.