Temos hoje em Portugal, com maior prevalência na escrita, um português formatado composto por um conjunto mais ou menos variável de palavras, dependendo da literacia do escrevente, mas sobretudo com uma sintaxe demasiado semelhante. As razões desse facto são várias e não faço sequer sobre isso qualquer juízo valorativo. Embora pessoalmente preferisse ver diferença enriquecedora onde vejo secante normalização. Isso nota-se bastante, por exemplo, nos meios de comunicação social que são hoje demasiado iguais no estilo e demasiado iguais no erro, e não só na notícia, também na reportagem, também na crónica, também na opinião. Relativamente aos jornais, fala-se, por vezes, em jornais de referência. Certamente que do ponto de vista estritamente ético e deontológico haverá diferenças entre eles. Mas, em matéria de língua portuguesa, não creio que existam hoje jornais de referência. Sejam eles semanários ou diários, especializados ou generalistas, gratuitos ou pagos.
Há quem aponte esse facto à maior tolerância social ao erro e à existência de ferramentas de correcção automática (correctores ortográficos) que levaram à supressão ou à redução, por contenção de custos, das figuras dos velhos revisores tipográficos e depois dos copidesques, à pressão, por razões de lucro, que obriga jornalistas e revisores, quando existem, a produzir mais e mais rapidamente, à impreparação de estagiários mal pagos que pululam nas redacções…
Mesmo correndo os riscos de uso abusivo da indução — para os mais cépticos era capaz de repetir o procedimento com êxito todas as semanas —, vejam-se dois exemplos da semana que passou, de jornais diferentes, um de um jornal de massas, gratuito, e o outro de um semanário de referência. Um é do Metro, de 28 de Outubro, e o outro do Expresso, de 23 de Outubro. No primeiro, numa coluna sobre as Causas da dor de cabeça, pode ler-se: «[...] se tiver bem hidratado a sua urina deverá ser amarela.» E no segundo, na habitual coluna de opinião de Daniel Oliveira: «Quando as escolas e as cresces fecharem […].»
Tive a curiosidade de submeter ambas as frases ao FLip online que as aceitou de bom grado sem lhes achar quaisquer defeitos. Note-se que tive o cuidado, quando me referi às ferramentas de correcção automática, de lhes chamar correctores ortográficos e não correctores ortográficos e sintácticos, como alguns se autodenominam. Sem que esteja em causa a valia destes utilíssimos auxiliares, é bom que tenhamos consciência de que eles — e digo eu felizmente, sob pena de uma ainda maior formatação da escrita — nunca serão integralmente substitutos da enorme subtileza e riqueza da intervenção humana...