Há problemas muito mais importantes no plano do jornalismo (com repercussões mais graves), mas os pormenores são o tema da crónica desta semana porque a quantidade de erros parece excessiva.
China
«Não lhe tomarei muito tempo, mas não posso deixar de lamentar que o jornal Público transforme ignorância em informação pelo dedo de um senhor não identificado que opta por não se centrar na notícia e resolve mostrar a sua "coltura" geográfica-política. Na página 42 da sua edição de domingo (27 de Maio) o tal senhor escreve na notícia "Investimento China aposta no capital de risco" (linha 8) referindo-se à China como "O Império do Sol Nascente". Eu já sei que "os asiáticos são todos iguais" e que "é um ‘lapso’ absolutamente desculpável" e que ainda "isso não tem importância nenhuma". É claro que confundir a China (o Império do Meio) com o Japão (o tal que é o Império do Sol Nascente) e alguém achar isso uma demonstração de ignorância é "fazer uma tempestade num copo de água" (já agora, numa próxima notícia não se esqueça de aconselhar o senhor que escreve a notícia a encaixar em qualquer sítio que "eles até ficaram de olhos em bico" e ficará o ramalhete completo), mas num país em que a cultura geral já só se limita ao que se passa nos Morangos ou na Floribela, um jornal com a responsabilidade do Público deveria e podia fazer mais, não estampando nas suas páginas a ignorância dos seus funcionários, que assim assume como sua também.
Já não me basta ver agentes da autoridade trazer erros ortográficos escritos na farda e nos carros que os transportam (policia em vez de polícia), tenho também de me deparar com um jornal de referência que se faz eco da mediocridade cultural em que este país mergulhou os seus cidadãos. Eu sei que posso deixar de comprar o seu jornal e assim privar-me de ler estas coisas, mas preferia que fossem os senhores a mudar. E eu já podia ler o jornal sossegado», escreve Mário Silva, um leitor de Lisboa.
O artigo suscitou mais uma crítica.
«Quando um jornal da suposta qualidade do Público já deixa passar erros em expressões que costumavam ser lugares-comuns, isto está pior do que eu pensava. Então o "Império do Sol Nascente" é a China?(...)», escreve Ferreira Grande, um leitor de Sintra.
Os reparos e as perguntas são pertinentes.
O Público errou.
É desnecessário epilogar.
Itália
«Leitor diário do jornal de referência absoluta em Portugal, foram já, seguramente, várias as vezes com que me deparei com incorrecções relativamente à forma como a região italiana da Toscana é referida. Tal aconteceu, uma vez mais, na página 14 do suplemento Fugas do passado sábado (9/6/2007), onde, apesar de ali ter feito uma viagem única e inesquecível, um leitor convidado a referiu como Toscânia. Será que um editor com um mínimo de conhecimentos de geografia (e, porque não, de história?) não poderia ter detectado esta absolutamente inadmissível falha?», escreve João Chambers, um leitor de Lisboa.
“Toscânia” ou Toscana?
A introdução do artigo (elaborada pelo Público) confunde ainda mais os leitores: «O leitor Nuno Abreu escreve sobre a bela Florença, deixa algumas sugestões e explica por que razão uma visita à capital da Toscânica perdura para sempre na memória».
Afinal em que ficamos? “Toscânia” (como escreve o autor do artigo), “Toscânica” (como escreve o Público na introdução), ou Toscana (como escreve o leitor João Chambers)?
“Toscânia” é a formulação adoptada pelas Nações Unidas (ex. UNICEF), Comissão das Comunidades Europeias, ministérios portugueses (ex. Ministério da Cultura, Ministério da Agricultura), Governos Regionais (ex. Açores), câmaras municipais (ex. Horta), universidades (ex. Universidade Técnica de Lisboa, Universidade da Madeira), empresas, alguma imprensa (ex. Público, Expresso, Diário de Notícias, Jornal de Notícias), etc., mas isso não significa nada.
“Toscânica” poderá ser “Tošc'anica”, na Federação da Bósnia e Herzegovina.
Os principais dicionários portugueses apenas mencionam a existência de Toscana.
O Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa (de Magnus Bergstrom e Neves Reis, Editorial Notícias, 12.ª edição) só cita Toscana.
O Livro de Estilo do Público refere centenas de topónimos estrangeiros, mas omite o da região italiana.
Toscana é a formulação correcta.
Os reparos do leitor João Chambers são, portanto, pertinentes.
É um pormenor, mas o provedor não entende como é possível atribuir no mesmo artigo dois nomes (“Toscânica” e “Toscânia”) a uma única região.
O Público errou.
Portugal
«É perfeitamente lamentável que o Público defina a localidade do Pomarão como uma localidade do "nordeste algarvio". Antes de se tecerem tais afirmações convém ter "o trabalho de casa" em dia. Pede-se mais rigor científico e profissional por favor», escreve Tânia Fortuna.
Eis o texto em causa (edição impressa de 6/5/2007): «"Basta pegar num barco e atravessar o rio, em Alcoutim ou no Pomarão [povoações do nordeste algarvio], para entrar livremente em Espanha", disse.»
O reparo é pertinente.
Pomarão pertence ao distrito de Beja, concelho de Mértola e freguesia de Santana de Cambas.
O texto é da agência noticiosa Lusa, mas o Público reproduziu o erro.
Mais Portugal
«Caro amigo provedor (permita-me tratá-lo assim, pois um provedor só pode ser um amigo do leitor e um amigo do jornal, por consequência): Tenho notado que quando se referem ao "Desportivo das Aves" lhe atribuem a denominação de "minhoto".
Vila das Aves é uma freguesia do concelho de Santo Tirso (distrito do Porto). Encontra-se (para quem ainda se lembra da geografia de Portugal) na chamada região do Douro Litoral, composta apenas por este mesmo distrito do Porto.
O clube faz parte da Associação de Futebol do Porto, e não das associações minhotas de futebol (Braga e Viana do Castelo).
Seria bom que um jornal de referência tivesse mais cuidado e fosse mais rigoroso quando se refere à zona onde se situam os clubes», escreve Miguel Ângelo Almeida.
Os reparos são pertinentes.
O Público on-line, por exemplo, reproduziu os seguintes despachos da agência Lusa:
1 – «Ao contrário do que foi noticiado na semana passada, a direcção do clube minhoto...» (17/2/2007 – 19h31);
2 – «O presidente do Desportivo das Aves, Joaquim Pereira, está optimista para a deslocação da equipa minhota ao estádio do...» (...)
«O presidente do Aves vê boas hipóteses de permanência dos minhotos no principal escalão...» (16/5/2007 – 21h28).
Vila das Aves pertence, hoje, ao concelho de Santo Tirso, distrito do Porto.
A Lusa errou, e o Público on-line não corrigiu.
Conclusão
O rigor e a exactidão são essenciais, mas alguns editores e jornalistas do Público parecem esquecê-lo. É a única explicação plausível para tantos erros crassos, mas que não passam de pormenores.
Nota 1
A última crónica do provedor (“O melhor jornal da Paróquia”) sobre a proliferação de anglicismos nas páginas do Público suscitou duas reacções.
«Nem de propósito: na mesma edição em que o Provedor publica uma crónica sobre o uso exagerado de estrangeirismos, eis que o P utiliza mais um, desta vez como chamada na primeira página.
Só que... está mal escrito!
Se abusar dos estrangeirismos já é mau, então escrevê-los de forma errada...
(Ver chamada de 10/06/07: "Gato Fedorento – Hoje à noite há despedida com streep-tease" [sic])», escreve o leitor Albano Assunção.
O provedor diria strip tease.
Os estrangeirismos proliferam. E, por vezes, não correspondem a nada.
Nota 2
«A propósito da carta enviada ao Provedor do Leitor pelo leitor Orlando Simas sobre "a abusiva utilização de estrangeirismos", gostaria de esclarecer que no texto que enviei para o Público a expressão contervailling powers estava entre aspas, embora no texto publicado, no dia 7 de Junho, estas tenham desaparecido», escreve Constança Cunha e Sá, autora de um dos textos.
A ausência das aspas é um detalhe. A expressão contervailling powers (tal como escreve Constança Cunha e Sá) é incorrecta. O termo correcto é: countervailing powers.
*in Público, 17 de Junho de 2007