DÚVIDAS

Nova terminologia linguística em Portugal: auxiliares, modais e sintaxe

Gostaria de começar por lhes agradecer a ajuda que me têm dado na resolução das muitas dúvidas que a língua portuguesa levanta. Muito obrigada!
Entretanto, aqui lhes coloco mais algumas questões:
1. Não encontrei na nova Terminologia linguística o conceito de conjugação perifrástica. Deve continuar a ser considerado? Será que a análise do aspecto verbal e dos valores modais substitui o estudo da perifrástica?
2. Quando, numa frase, surgem os verbos modais dever e poder, estes devem ser encarados como meros auxiliares ou devemos vê-los como núcleo de um grupo verbal e seleccionando uma oração não finita como complemento directo?
Assim, a frase «Devo trabalhar» deve ser analisada como uma frase simples ou complexa?
3. Como analisar sintacticamente frases do tipo «Cansada, ela calou-se»?
Muito obrigada.

Resposta

1Perifrástica
A designação «conjugação perifrástica» não é, de facto, referida na TLEBS. O conceito, porém, está contemplado nas classes quando se fala dos verbos auxiliares, pois uma das classes de verbos auxiliares é a dos auxiliares aspectuais. Aí estão contemplados os três tipos de conjugação perifrástica que habitualmente se abordam: a que veicula uma ideia de continuidade (aspecto durativo), de início de acção (aspecto inceptivo, que conhecemos de algumas gramáticas como incoativo) ou de conclusão (aspecto pontual).
Neste momento, ao que parece, o termo «perifrástica» não faz parte da terminologia oficial. Mas a terminologia está em avaliação e sofrerá, provavelmente, algumas alterações. Além disso, repare que, quando estudamos os verbos auxiliares aspectuais, o que estamos a fazer é estudar a perifrástica. O que é a perifrástica, senão um tipo de construção que permite veicular determinados valores? Os mesmos que estão descritos como sendo veiculados pelo recurso a construções com os verbos auxiliares aspectuais…

2Verbos modais
Enquanto auxiliares modais, os verbos poder e dever participam em locuções verbais, constituindo toda a expressão o núcleo verbal. Assim, a frase «devo trabalhar» é, a meu ver, uma frase simples constituída pelos dois elementos fulcrais: sujeito («eu») e predicado («devo trabalhar»).
Note-se que o valor do verbo dever é diferente quando é auxiliar modal ou quando é verbo pleno. Compare-se «devo trabalhar», em que há, aparentemente um valor de obrigatoriedade – digo aparentemente, pois o contexto não me permite decidir se estamos perante uma obrigação ou perante uma probabilidade como em «Amanhã devo (ir) trabalhar, não devo poder ir ao cinema» – com «devo dinheiro», em que o que se afirma é que o sujeito tem uma dívida para saldar.
O verbo poder, embora mantenha uma independência relativa nas expressões verbais em que entra, também costuma ser interpretado como sendo uma locução verbal, à qual introduz um valor de possibilidade ou probabilidade. Creio que é neste sentido que se orienta a TLEBS, ao inserir este verbo no grupo dos verbos auxiliares modais. Importa, porém, dizer que há quem considere que o verbo poder é seguido por uma infinitiva.

Cf. A conjugação perifrástica

3«Cansada, ela calou-se»
Podemos interpretar «cansada» como um adjectivo, por analogia com «Satisfeita, ela calou-se», e nesse caso estamos perante uma frase simples que pode ser analisada da seguinte forma:
Sujeito: «Cansada, ela» (ou «ela, cansada,»)
Modificador adjectival apositivo: «cansada»
Predicado: «calou-se»

Outra forma de interpretar a frase é considerar «cansada» como uma forma verbal e, nesse caso, estamos perante uma frase complexa, analisável da seguinte forma:
Sujeito: «ela»
Predicado: «calou-se cansada»
Modificador frásico: «cansada» (veiculando uma ideia de causa, equivalente a porque estava cansada).

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