Nas frases que apresenta, a leitura mais saliente é aquela em que a oração subordinada «para que eu (não) me lembrasse dela» veicula uma consequência da situação descrita na oração principal, comportando-se, portanto, como uma oração consecutiva. As frases não querem dizer a mesma coisa (querem dizer o contrário uma da outra).
Para facilitar a interpretação das duas frases, imaginemos um contexto em que as possamos utilizar: eu estou a organizar um espetáculo de bailado no meu bairro e tenho uma amiga, chamada Luísa, que é uma excelente bailarina.
1 – «Luísa tinha muito talento para que eu não me lembrasse dela.»
Neste caso, a frase significa que a Luísa tinha tanto talento, que era impossível não me lembrar dela para entrar no meu espetáculo.
2– «Luísa tinha muito talento para que eu me lembrasse dela.»
Em contrapartida, eu posso proferir a frase 2 se estiver a considerar que o talento da Luísa é de um nível superior ao do espetáculo que estou a organizar, amador (ou seja, o seu talento é tanto, que nem me lembrei dela).
Sem um contexto adequado, existe alguma dificuldade na interpretação da segunda frase, possivelmente devido à expressão «muito talento», que tem uma conotação positiva, tornando inesperada a consequência de o falante não pensar numa pessoa com tais características. Este aspeto pode ter levado o nosso consulente a atribuir-lhe uma interpretação igual à da primeira frase.
(Existe ainda uma interpretação em que a oração subordinada é complemento do nome talento, introduzida pela preposição que este rege: «talento para a música», «talento para vender automóveis». Neste caso, a primeira frase significa que a Luísa tem muito talento para fazer com que eu não me lembre dela, enquanto a segunda significa que tem muito talento para me fazer lembrar dela. Contudo, os complementos frásicos deste nome ocorrem geralmente no infinitivo. Acreditamos não ser esta a construção que o consulente tem em mente.)