Usa-se pequeno-almoço em Portugal, café da manhã no Brasil e mata-bicho (com hífen) em Angola (cf. Clenir Louceiro, Emília Ferreira e Elizabeth Ceita Vera Cruz, 7 Vozes, Lisboa, Lidel, 1997).¹
Quanto ao verbo que significa «tomar o mata-bicho», ou «tomar o pequeno-almoço/café da manhã», registam-se duas grafias: mata-bichar (Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC) e matabichar (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Houaiss). Óscar Ribas usa a forma sem hífen, matabichar, na definição da entrada matar o bicho no Dicionário de Angolanismos (Guimarães, Editora Contemporânea, 1997):
«Matar o bicho, l[ocução] v[erbal]: Tomar a primeira refeição da manhã. Comer o pequeno-almoço. O mesmo que matabichar.
F[orma] port[uguesa]»
¹ Na obra consultada escreve-se "matabicho", mas é preferível mata-bicho, mantendo preceitos ortográficos que o acordo de 1990 não alterou. Este substantivo também se regista no português da Guiné-Bissau, no de Moçambique e no de São Tomé e Príncipe.
N.E. − Sobre a expressão matar o bicho e a sua origem transcrevemos o que sobre ela escreveram Orlando Neves, no Dicionário de Expressões Correntes (Editorial Notícias, 2ª edição, junho de 2000), Guilherme Augusto Simões, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (ed. Perspectivas & Realidades) e Afonso Praça, no Novo Dicionário de Calão (Editorial Notícias).
No primeiro caso:
«É por de mais conhecido o significado da expressão. Diz-se que alguém «mata o bicho» quando, pela manhã, antes da ingestão de alimentos, toma uma bebida alcoólica. Por extensão, é também usada para designar qualquer tipo de comida ou bebida que se ingere em estado de jejum. A origem da frase é problemática. Cláudio Basto escreveu a propósito: "Matar o bicho provém de, em jejum, o vazio do estômago se manifestar como se dentro dele estivesse um bicho que o 'mata-bicho' mataria. A sensação de vacuidade do estômago também é comparada ao roer de ratos dentro daquela víscera." Assim, parece-me acertado dar tal origem à expressão «matar o bicho», confirmada pela expressão popular espanhola matar el gusano. Apontam outros que o álcool era considerado remédio cautelar contra as epidemias. Aquando da peste no Porto e também em 1917, durante a gripe pneumónica, recomendava-se essa prevenção. Mas a mais objectiva informação sobre o assunto deu-a Ladislau Batalha, citando o autor francês Maurice Rat, autor de um Dictionnaire des locutions françaises. Aqui se conta que num documento francês, o Journal d'un bourgeois de Paris sous le règne de François, é narrada a morte, em 1519, de uma tal Madame de la Varnade, mulher de um servidor do rei, e que essa morte foi julgada suspeita. Autopsiada, encontraram-lhe no coração um verme vivo, que só morreu depois de mergulhado numa forte bebida alcoólica. Passaram os médicos de Paris a aconselhar os habitantes da cidade a que tomassem em jejum um pouco de vinho ou outra bebida. Daí a expressão tuer le ver, usada há séculos entre os Franceses. O mais lógico, pois, seria que o nosso "matar o bicho" correspondesse a uma mera tradução.»
Quanto ao segundo autor:
«Matar o bicho ou matabicho − Beber ou comer em jejum, o que se chama fazer o desdejum / Alberto Bessa no seu Dic. de Calão, conta que a frase deriva do seguinte: No séc. VIII manifestou-se num reino que depois formou a Espanha, uma epidemia que os médicos não conseguiram debelar. Um médico de nome D. Gustavo Garcia estudou a doença até que, num cadáver, conseguiu descobrir um bicho. Este reagia a todos os líquidos e só mergulhado em aguardente morreu. Daí a receita que os doentes sãos passaram a tomar /.»
Finalmente o registo da terceira obra acima citada:
«Matar o bicho − Tomar qualquer bebida alcoólica em jejum; também se diz de qualquer tipo de comida ou bebida que se ingere quando se está ainda em jejum.
[«A origem da frase é problemática», afirma Orlando Neves, que cita Cláudio Basto, a propósito: "Matar o bicho provém de, em jejum, o vazio do estômago se manifestar como se dentro dele estivesse um bicho que o 'mata-bicho' mataria. A sensação de vacuidade do estômago também é comparada ao roer de ratos dentro daquela víscera." Assim, parece-me acertado dar tal origem à expressão «matar o bicho», confirmada pela expressão popular espanhola matar el gusano. Apontam outros que o álcool era considerado remédio cautelar contra as epidemias. Aquando da peste no Porto e também em 1917, durante a gripe pneumónica, recomendava-se essa prevenção. Mas a mais objectiva informação sobre o assunto deu-a Ladislau Batalha, citando o autor francês Maurice Rat, autor de um Dictionnaire des locutions françaises. Aqui se conta que num documento francês, o Journal d'un bourgeois de Paris sous le règne de François, é narrada a morte, em 1519, de uma tal Madame de la Varnade, mulher de um servidor do rei, e que essa morte foi julgada suspeita. Autopsiada, encontraram-lhe no coração um verme vivo, que só morreu depois de mergulhado numa forte bebida alcoólica. Passaram os médicos de Paris a aconselhar os habitantes da cidade a que tomassem em jejum um pouco de vinho ou outra bebida. Daí a expressão tuer le ver, usada há séculos entre os Franceses.»
Em Gíria Portuguesa/Esboço de Um Dicionário de Calão, Alberto Bessa (1901) dá-nos também uma explicação interessante, que vale a pena transcrever, em ortografia actualizada. «Em princípios do século VIII manifestou-se na Espanha uma doença, classificada de “misteriosa” pelo mais célere médico de então, tomando aterradoras proporções. Era impossível conhecer a sua causa, e por isso inúteis todos os remédios aplicados.
D. Gustavo Garcia, antigo e abalizado médico, que havia muito tempo abandonara a profissão, não pôde permanecer impassível à vista dos infrutíferos esforços dos colegas, e deixando as suas comodidades, quis, como por despedida, reunir os seus conhecimentos aos dos companheiros, procedendo imediatamente a um rigoroso exame nos corpos das vítimas da misteriosa doença. Depois de várias experiências e de minuciosas análises em diversos corpos, conseguiu descobrir nos intestinos dum cadáver um pequeno verme com vida. O bicho era a causa; restava, porém, achar-se o meio conveniente para matá-lo e, para isso, D. Gustavo o lançou em diferentes líquidos, dos quais saía parecendo cada vez com mais vitalidade. Como último recurso submergiu-o numa pouca de aguardente, vendo com esta feliz ideia coroados os seus esforços, pois que o bicho morreu instantaneamente.
Depois desta descoberta, facílimo foi extinguir-se a horrível moléstia, congratulando-se D. Gustavo Garcia pelo excelente resultado que obteve dos seus trabalhos.
Desde essa época não esperava ninguém que a doença o acometesse, porque enfermos e sãos habituaram-se a tomar, ao levantar da cama, uma pequena dose de aguardente para matar o bicho.»]
Cf. A que horas é o jantar a norte do Norte?