Maubere é uma palavra com origem no dialecto mombar, da parte ocidental de Timor-Leste, onde se usava como nome próprio. E como era de uma zona mais pobre, ainda no tempo colonial português, provinham daí muitos dos empregados domésticos ("mainatos") da tropa e das famílias mais abastadas de timorenses. Chamavam-lhes indistintamente mauberes, que significava criado, estúpido, zé-ninguém, atrasado, burro; "bimbo", como se diz também em Portugal.
Daí a conotação pejorativa sentida por muitos timorenses, como, por exemplo, o bispo de Díli, Ximenes Belo. Numa entrevista já antiga à emissora portuguesa TSF (in semanário "O Jornal", já extinto), insurgia-se deste modo: «Quando nos chamam mauberes, insultam-nos. Nós não somos zé ninguéns nem estúpidos! Este é um termo insultuoso para os timorenses.»
Mário Carrascalão, governador de Timor já depois da ocupação indonésia, perfilha o mesmo ponto de vista: «Em Timor, chamar maubere a uma pessoa é insultá-lo. Chama-se maubere ao indivíduo burro, ao que não percebe nada, analfabruto, como se diz em Portugal.» (jornal "Oriente", de Macau, 1985).
Mas há outros timorenses que defendem opinião exactamente contrária. Era o caso de Fernando Sylvan (1917/1993), ex-presidente da Sociedade da Língua Portuguesa, já falecido, que, a propósito, discorria assim sobre a evolução semântica das palavras, em geral: «Hoje, ninguém diz que o nome cristão tem o sentido pejorativo que lhe atribuíam, no século II, os cobradores de impostos quando se referiam aos 'seguidores da Via' (termo com que eram designados os cristãos no século I).» Com maubere, dizia ele, acontecera até uma evolução positiva: «É já do domínio da universalidade política. A ONU e UNESCO já o consagraram.»
José Ramos Horta passa por ser o responsável desta verdadeira querela linguística entre os timorenses, quando adoptou politicamente a palavra maubere aos propósitos independentistas da Fretilin. Foi logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Dez anos mais tarde, Guilhermina Araújo, da Fundação Borja da Costa, refere-se-lhe como um «termo elogioso, memória do povo oprimido, guardião das tradições», num pingue-pongue de outras, e mais sérias, discórdias.
«É ofensivo, divide os timorenses. É uma questão politizada pela esquerda», dizem uns. «Só uma posição colonialista no subconsciente é que poderá escandalizar-se com o termo maubere atribuído aos timorenses», respondem do outro lado.
Por isso, caro consulente, faça como eu: continue a apoiar os timorenses e a sua causa, "congelando", pura e simplesmente, a palavra que mais os divide…
N.E. O autor escreve segundo a Norma de 1945.