Está para breve o arranque do Europeu, e os relatos e os comentários sobre futebol vão ter máximo lugar de honra nas rádios e nas televisões. Veremos e ouviremos os jogadores a «recepcionar bem bola» ou a «temporizar bem», em excelente exercício de «triangulação» e trabalho de «entrosamento», em espectaculares «produções ofensivas»...
O relato de futebol cultiva um registo de língua que difere ostensivamente do das restantes peças dos media. Desta maneira, afirma-se como exemplo de um modo de significar específico, onde bola é esférico e campo, quatro linhas. Livre dos constrangimentos impostos à língua de uso comum, recorrendo a neologismos (palavras inventadas) e estrangeirismos, o discurso do futebol aproxima-se do discurso técnico-científico.
Mas note-se que é exactamente o movimento contrário que se procura obter nos demais géneros jornalísticos: a clareza e a simplicidade de expressão, com os termos de especialidade a serem devidamente parafraseados. Por exemplo, o jornal Público chegou a receber na sua redacção investigadores a exercitarem-se na elaboração de artigos que divulguem a ciência, em que é preciso fazer caber a complexidade e o rigor da descrição de fenómenos científicos na linguagem corrente.
Ao aproximar o comentário de futebol a um tecnolecto ou língua de especialidade, fideliza-se os aficionados e dá-se a entender que este desporto é uma actividade muito importante. E é, de facto — a atender aos milhões que mobiliza.
Artigo publicado no semanário Sol de 25 de Maio de 2008, na coluna Ver como Se Diz.