Um comentário sobre um comentário político — podia ser o título deste artigo de Ana Martins no semanário Sol de 9 de Outubro de 2009.
O desempenho linguístico dos profissionais da comunicação social tem sido alvo de críticas em diversos espaços da própria comunicação social. São, em geral, apontados erros de ortografia ou de estrutura de frase.
Há, porém, uma área que, por não se sujeitar a regras prescritivas, raramente é focada. É a área de estudo do significado das palavras em diferentes estruturas (sintagmas e frases) e em diferentes ambientes discursivos. Junte-se a isto outra constatação, a de que a actividade jornalística passa frequentemente da produção de texto próprio para a análise de textos de outrem (quando o jornalista se transforma em comentador). E se o erro de concordância ou de regência plasmado num texto noticioso tem resultados negativos para o seu autor e, enfim, para a identidade da língua portuguesa, a análise do discurso de outrem, assente na total falta de percepção dos diferentes matizes de significado de uma palavra, soma a estes prejuízos outros maiores: a distorção da informação e a especulação livre.
Disse o director do jornal i, no Jornal 2 (RTP2, 29/09/09), duas horas após a declaração do presidente da República: «o elemento mais claro de todo o discurso é dizer que sente o seu palácio vulnerável (…) a palavra vulnerável é uma palavra que se usa em momentos militares, em momentos difíceis. (…) até que ponto esta palavra escolhida, vulnerabilidade, esconde factos que o presidente pode jogar mais tarde?»
De facto, o presidente pronunciou a palavra vulnerabilidades (no plural), nesta passagem: «Estará a informação confidencial contida nos computadores da Presidência da República suficientemente protegida? (…) Fiquei a saber que existem vulnerabilidades e pedi que se estudasse a forma de as reduzir.» Só que vulnerabilidades não foi uma palavra escolhida pelo presidente, foi a palavra usada pelos técnicos de segurança informática consultados. Veja-se, por exemplo, que o folheto do nosso antivírus fala em «vulnerabilidades de segurança no software» e que em qualquer sítio de informática podemos ficar a saber, por exemplo, como é que «os programas trojan exploram as vulnerabilidades do Windows»…
Não está em causa o jornalista ter ou não ter conhecimentos mínimos de informática, está em causa o jornalista acreditar que as palavras têm um sentido monolítico, ignorando que elas cumprem uma função específica em cada um dos tecnolectos (línguas de especialidade) em que são activadas, bastante diferente da que assumem na linguagem corrente.
artigo publicado no semanário Sol, de 11 de Outubro de 2009, na rubrica Ver como Se Diz.